21 de outubro de 2009

Os cassados

Como já existe uma história pregressa que está longe de ser favorável à Câmara Municipal de São Paulo - tantos foram os escândalos em que nas últimas décadas esteve ela envolvida -, a tendência da opinião pública será, decerto, jogar na vala comum da corrupção as razões que levaram à decisão do juiz da 1ª Zona Eleitoral, que cassou o mandato e tornou inelegíveis 13 dos 55 vereadores paulistanos. E esta foi apenas a primeira leva de acusados a receber sentença. Ainda há 18 vereadores, acusados dos mesmos delitos eleitorais, na fila do julgamento.


Desta vez, a Justiça Eleitoral trouxe à luz subterfúgios utilizados por financiadores de campanhas eleitorais, para como tal permanecerem incógnitos, isentos de eventuais cobranças, mediante uma tão imprudente quanto ingênua burla à legislação eleitoral.


As sentenças do juiz Aloísio Sérgio Rezende Silveira, publicadas na segunda-feira, são o desdobramento da representação feita em maio pelo Ministério Público Eleitoral contra candidatos beneficiados por doações da Associação Imobiliária Brasileira (AIB), apontada como braço político do Secovi (o Sindicato da Habitação). Essa associação distribuiu, nas eleições do ano passado, R$ 10,6 milhões a candidatos, comitês e diretórios de diversos partidos. Foram cassados os parlamentares que, quando candidatos, receberam da AIB mais de 20% do volume total de recursos arrecadados para suas campanhas eleitorais. O juiz considerou que contribuições acima desse porcentual contaminaram o processo eleitoral ou influenciaram a vontade do eleitor, caracterizando abuso de poder econômico.


Além disso, como a legislação eleitoral - é verdade que, neste aspecto, muito desrespeitada - proíbe sindicatos de fazer doações eleitorais e limita o repasse feito por entidades sem fins lucrativos, para esses mesmos fins, a 2% de sua receita no ano anterior, o juiz classificou a AIB de "simulacro de associação", aduzindo em seu despacho que ela "atuou como interposta pessoa, sob manto de categoria jurídica lícita, para efetuar doação em nome de quem não poderia". Por outro lado, o promotor que entrou com a representação afirmou que "a AIB não entrou na campanha por acaso. Havia interesse do setor imobiliário no Projeto Nova Luz", o plano de revitalização da Cracolândia.


Cabe observar que qualquer empresa comercial - seja imobiliária ou de qualquer outro setor - tem o direito de fazer doações a candidatos a cargos públicos, legislativos ou executivos, com os quais tenha afinidade de pensamento ou interesses comuns. Se as empresas imobiliárias associadas ao Secovi tivessem efetuado contribuições eleitorais diretas a seus candidatos prediletos a vereador, nenhuma irregularidade teriam praticado. Por que, então, usaram a intermediação da AIB, uma entidade sem estrutura alguma de funcionamento? Certamente para ocultar uma comunidade de interesses. A propósito, não há como deixar de associar ao tema a inibição crônica - digamos assim - de nossos legisladores para regulamentar a atividade lobística, que em muitas democracias é rotineira no âmbito legislativo, exigindo apenas transparência na identificação dessa atuação. Assim como os lobbies, também as bancadas parlamentares podem agrupar-se tendo objetivos político-ideológicos ou simples interesses comuns. E nada obsta que os candidatos recebam contribuições eleitorais legítimas, por parte de entidades que tenham a permissão legal de fazê-lo.


O que será sempre ilegítimo e condenável será a concessão de privilégios, no relacionamento de empresas com o poder público, engendrados pelos que, nos Parlamentos, foram beneficiados por doações eleitorais - como se estas constituíssem um pagamento por serviços a serem prestados.


É claro que os vereadores cassados já estão providenciando recursos judiciais aos tribunais superiores. E, como a nova Lei Eleitoral prevê que o recurso ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE) tem efeito suspensivo, continuarão eles exercendo seus mandatos, pelo menos até que os processos sejam decididos em segunda instância. De qualquer forma, essa enérgica decisão da Justiça Eleitoral deve levar entidades sindicais e grupos empresariais a pensar duas vezes antes de forjarem simulacros de associações para evitar a transparência das contribuições eleitorais.

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