20 de julho de 2009

“Estou no paraíso”

O suíço Bertrand Gerard, 52 anos, não esconde o entusiasmo quando fala: “Estou empregado”. A euforia é mais do que justificada. Em fevereiro último, em meio à grave crise mundial, com todo mundo temendo o desemprego, ele pôs fim a uma luta que durava havia um ano e meio: a procura por um trabalho. “Nem acreditei. Tinha espalhado currículos por todos os lugares, e nada de alguém me dar uma oportunidade. Fui obrigado a fazer uma economia de guerra em casa para não faltar nada para a minha família”, conta. Bertrand foi contratado pelo Hotel Meliá, em Brasília. Está chefiando a cozinha de dois dos seis restaurantes do estabelecimento. Mas para não perder a vaga, teve de deixar a mulher e os filhos no Rio e abrir mão de salário, que, na sua função, pode chegar a R$ 12 mil por mês. “Depois de tudo o que passei e de saber que, no meu país, a situação está terrível para meus amigos, não posso reclamar de nada”, frisa Gerard.

A argentina Sandra Lídia Flores, 35, diz o mesmo. “A crise afetou demais o mercado de trabalho no meu país. Está faltando oportunidade para a maioria das pessoas”, afirma. No Brasil, porém, ela se sente uma privilegiada. Há seis meses, foi contratada pelo restaurante C’est si Bom como recepcionista. Ganha R$ 1 mil mensais, quantia que ela garante ser suficiente para não faltar nada a seus dois filhos. “É muito bom ter a carteira assinada, dá uma segurança enorme. Estou no paraíso”, comenta. Mas, por longos 10 anos, Sandra cortou um dobrado no Brasil, como imigrante ilegal. “Trabalhei em vários lugares, mas nunca tive estabilidade”, relata. Sua vida começou a mudar há três anos, quando o Brasil e a Argentina assinaram um tratado dentro do Mercosul para permitir a contratação de trabalhadores de ambos os países sem ferir a legislação.

Pelos dados do Ministério do Trabalho, esse tipo de acordo tem permitido que um número maior de trabalhadores sul-americanos venham para o Brasil. Muitos, inclusive, abandonaram o sonho de ir para Miami, nos Estados Unidos, para tentar a vida em São Paulo, principalmente. Essa mudança de foco não surpreende o chefe da Comissão Européia no Brasil, João Pacheco. No seu entender, o que se está vendo no mercado de trabalho brasileiro — que não só manteve, mas abriu vagas para estrangeiros, a despeito da gravidade da crise —, é uma antecipação das mudanças que estão por vir.

Historicamente, as economias mais ricas sempre foram os principais receptores de mão de obra imigrante, legal ou ilegal. “Agora, serão os países emergentes, como Brasil e China, com grande potencial de crescimento e de oportunidades de trabalho, os destinos preferenciais para os que estão atrás de emprego”, sentencia. “Posso garantir que, na Europa, a imigração caiu muito desde o início da crise.” No Brasil, há quase 848 mil estrangeiros legais.



O número

847.860
É o total de estrangeiros que estão vivendo no Brasil legalmente



Para governo, não há o que temer


O presidente do Conselho Nacional de Imigração, Paulo Sérgio de Almeida, está convencido de que a vinda de trabalhadores estrangeiros para o Brasil em nada afeta o mercado de trabalho para os brasileiros. Muito pelo contrário. “Os estrangeiros detêm alta qualificação e vêm, na boa parte dos casos, temporariamente para o Brasil. Aqui, passam a contribuir com seu conhecimento e experiência, pontos fundamentais para a qualificação da nossa mão de obra”, diz.

Ele ressalta que muitas empresas multinacionais que estão investindo no país têm projetos de longo prazo, como, por exemplo, no setor da exploração de petróleo e gás, que absorve cerca de 30% do total de profissionais estrangeiros temporários no país. “Estamos falando de um setor de alta tecnologia, que faz uso de equipamentos comprados lá fora e que são operados por técnicos muito especializados”, acrescenta. Como ganham bem, esses trabalhadores remetem mais dinheiro para seus países de origem, para que seus familiares possam honrar compromissos deixados por lá.

Essas remessas crescentes, por sinal, farão com que a conta de transferências unilaterais feche o ano com saldo de US$ 3 bilhões, o menor patamar desde 2003, conforme cálculos do Banco Central. “Além de os trabalhadores brasileiros no exterior estarem mandando menos recursos para cá, os estrangeiros empregados no país estão remetendo mais para seus países. Por isso, o saldo das transferências unilaterais será menor neste ano”, explica o chefe do Departamento Econômico do Banco Central, Altamir Lopes.

O boliviano Elias Dobles Solis, 54 anos, passou, recentemente, a remeter dinheiro para a Bolívia com o intuito de ajudar os pais. Ele está no Brasil desde 1986, naturalizou-se brasileiro e hoje é funcionário público — trabalha no Ministério da Agricultura. “Não dá nem para comparar a situação de um trabalhador brasileiro com a de um boliviano. Aqui é bem melhor”, afirma. “O Brasil é ótimo para trabalhar. E os salários são bons”, emenda o confeiteiro francês Fabien Helleu, 39, dos quais 12 no país. “No meu setor, não há desemprego. Está faltando bons profissionais”, garante. Como ele, muitos europeus estão buscando oportunidades no país, especialmente no Nordeste, como administradores de hotéis e pousadas, segmento no qual o capital estrangeiro está cada vez mais presente.

Ajuda essencial
As transferências unilaterais contabilizam as remessas de dinheiro realizadas, legalmente, pelos brasileiros que vivem e trabalham no exterior e pelos estrangeiros empregados no país. O saldo dessa conta é importante para o Brasil, mas fundamental para os países mais pobres, especialmente os da América Central, como o Haiti e Honduras. Estima-se que as transferências dos trabalhadores cheguem a responder por mais de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) dessas nações.Correio Braziliense

0 comentários to ““Estou no paraíso””

Postar um comentário

 

Blog Da Kika Copyright © 2011 -- Template created by Kika Martins -- Powered by Blogger