10 de dezembro de 2008

PAÍS ATRAI TALENTOS GLOBAIS QUE TENTAM FUGIR DA CRISE


A crise internacional virou o jogo na guerra de talentos da área financeira. Depois de anos e anos de mercado aquecido e dificuldades para a contratação até mesmo de trainees, a debacle dos principais bancos dos países ricos e o aperto de crédito no Brasil aumentaram a oferta de trabalho de executivos seniores. Como nunca antes, as instituições financeiras no Brasil aproveitam a oportunidade para aumentar a qualificação técnica das equipes e atrair os mais preparados, inclusive do mercado internacional

"Os bancos não estão aumentando o quadro, mas tiram vantagem das novas condições de mercado para atrair os melhores", diz Jorge Maluf, sócio-diretor da Korn/Ferry e responsável pela prática de finanças. "Antes, os bancos contratavam gente para ampliar negócios", afirma. Agora, "é hora para fazer acertos nas equipes com intervenções muito pontuais", diz Maluf.


O caso mais simbólico da nova correlação de forças é o do americano John H. Welch, 49 anos, hoje economista global do Banco Itaú. Formado pela Universidade da Columbia com mestrado e doutorado em Illinois, ele já trabalhou no Fed de Dallas, Texas, e em alguns dos principais bancos de investimento do mundo em Nova York: Lehman Brothers, Barclays, Paribas (que depois virou BNP Paribas) e Bear Stearns, sem contar o WestLB, de atuação no mercado de atacado.


Especializado em América Latina, Welch vinha sendo muito disputado pelas instituições financeiras até mesmo no início deste ano. Ainda em fevereiro, quando ele estava como estrategista do Lehman Brothers, Welch recebeu uma proposta do Bear Stearns e aceitou. Mas, após o período de quarentena, trabalhou pouco tempo no novo emprego: o Bear Stearns quebrou e só não foi à concordata por causa do empréstimo de US$ 30 bilhões concedido pelo Fed, banco central americano, ao JPMorgan, para a compra da instituição financeira por US$ 236 milhões. O empregador anterior de Welch, a Lehman Brothers, não teve a mesma sorte e entrou em concordata em 15 de setembro.


Welch diz ter recebido inúmeras propostas para trabalhar em Nova York, mas preferiu vir ao Brasil a convite de Sérgio Werlang, diretor de crédito e de consultoria econômica do Itaú. A idéia é dar um viés mais internacional às análises econômicas no banco brasileiro, como parte da internacionalização do Itaú, que está em processo de fusão com o Unibanco. Daí o cargo de "economista global" para Welch.


"A situação em Nova York está muito difícil, nunca vi nada igual na vida", disse o economista ao Valor, com lágrimas nos olhos ao tratar do assunto. "Eu escapei dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 e agora consegui escapar de mais um momento extremamente difícil", comenta. Segundo ele, há colegas de banco e de universidade (Welch é professor-adjunto da Columbia e da New York University) que têm mostrado interesse em trabalhar no mercado brasileiro.


Ricardo Amorim, 37 anos, economista-chefe da Concórdia Asset, o gestor de recursos da corretora da Sadia, concorda. "Eu queria trabalhar não apenas no Brasil, mas em uma empresa brasileira" diz. "As instituições estrangeiras estão em uma situação muito difícil e com perspectivas ruins para o futuro", comenta. Ele chegou antes do susto dos derivativos cambiais da Sadia, mas diz que o asset da corretora da empresa não foi afetado.


"Todos sofreram os consequências da crise, mas no Brasil o impacto é bem menor", afirma. Segundo ele, é preciso "pôr as coisas em perspectiva": o PIB do Brasil vai crescer neste ano e em 2009, lembra, enquanto nos Estados Unidos e Europa vai ter redução certa no ano que vem. "As oportunidades de negócios no curto, médio e longo prazos estão por aqui", comenta.


Depois de oito anos fora do Brasil, Amorim voltou ao país em outubro para trabalhar na Concórdia. Formado em economia pela USP e com pós na Essec, ele passou pelo IDEA Global e BNP Paribas e seu último emprego foi de estrategista-chefe para América Latina do WestLB em Nova York, cargo que assumiu no lugar de John Welch.


"Há muitos executivos querendo vir de fora ao Brasil, brasileiros e estrangeiros", conta Maluf. "Uns dois ou três me procuram por semana", diz. Mas, segundo ele, para os estrangeiros conseguirem trabalhar aqui eles precisam ter "alguma história com o país, alguma conexão". É o caso de John Welch, que morou no Brasil, onde aprendeu muito sobre futebol e correção monetária.


A portuguesa Dulce Mendonça também está trocando Londres por São Paulo para assumir a direção da área de corporate finance do Banif Banco de Investimento para o Brasil. Até agosto, ela trabalhava no Citibank londrino, na equipe de "global advisory" em infra-estrutura. Como já trabalhou em São Paulo, a familiaridade com o idioma e o conhecimento da cultura brasileira ajudaram na decisão de atuar no país.


Renato Furtado, diretor-executivo de serviços financeiros da Russell Reynolds, diz que além dos "muitos brasileiros consultando sobre oportunidades no Brasil, gente de Nova York e Londres", ele também é assediado por estrangeiros, especialmente americanos. "Até franceses já me procuraram", diz, para completar: "Recebo pelo menos um e-mail por dia de gente querendo voltar desde outubro." Segundo ele, são pessoas que perderam o emprego ou estão com medo de perder. Ele diz que os demitidos voltam por um custo mais baixo, mas não existe emprego para todos. "Por isso, é um momento excepcional para os bancos fazerem contratações estratégicas", afirma. O presidente da Fesa Global Recruiters, Alfredo Assumpção, lembra que "em toda crise existe um talento diferenciado que se valoriza muito."


A chance de alguém de fora se colocar na área de banco de investimento, cartão de crédito e imobiliária, entretanto, é reduzida. "A concorrência local neste momento é maior e o conhecimento do mercado local conta pontos", afirma Maluf. A área de administração de recursos também está encolhendo, enquanto os bancos de investimentos estrangeiros estão entre os que mais estão demitindo ou não-contratando. Os cortes também têm sido grandes nos bancos nacionais ou estrangeiros de crédito para o setor automotivo e crédito consignado.


Também geram "ofertas de profissionais no mercado", segundo Maluf, as grandes fusões, como a do Santander com o ABN Amro e a do Itaú com o Unibanco. "Quem está nesses bancos tem buscado conversar sobre alternativas, para tentar ter um plano b no caso de perder o emprego", conta Maluf. "Na verdade, não dá para escolher muito" comenta ele.


Quem mais ganha com isso são bancos ainda sólidos, os menos afetados pela crise internacional, e que estão construindo ou ampliando núcleos de negócios. É o caso do inglês Standard Chartered, que contratou executivos da equipe da Lehman Brothers no Brasil. Há o Standard Bank, de capital sul-africano e chinês, que levou o time inteiro de financiamentos de projeto do ABN Amro. O Barclays e o BNP Paribas também foram menos afetados, assim como o HSBC. "Os executivos estão mais abertos para conversar sobre remunerações e bônus", diz Maluf. "São profissionais que querem bancos com um compromisso estratégico com o Brasil que não aumentem ou diminuam quando o mercado dá uma mexida", afirma.


Para o ano que vem, algumas áreas despontam como mais promissoras para quem procura uma colocação na área financeira. "Depois do caso dos derivativos, a expectativa é de uma demanda maior nas empresas não-financeiras por profissionais que façam a gestão de risco de empresas. Para esse perfil são indicados profissionais que vieram de banco", diz o headhunter da Russell Reynolds. As seguradoras devem também manter a demanda por gente qualificada. "Elas sofrem menos com a crise localmente e precisam melhorar a qualificação média dos profissionais e mudar o perfil técnico para buscar pessoas com perfil de gestores". Já o setor de private equity não deve recrutar, apesar de ter expectativas favoráveis de investimento para 2009. "A busca mais intensa no ano que vem será por CEOs, CFOs e conselheiros", acredita Furtado. Para um vice-presidente de banco de investimento será mais difícil se recolocar, a menos que ele esteja disposto a trabalhar em bancos com menos tradição. "É preciso baixar as expectativas nesse momento", diz. Valor Econômico

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