30 de maio de 2008

Mais do que um bom negócio


A rendição já estava decretada desde a intervenção federal no Banespa operada entre governos tucanos na antessala do Plano Real. Queimaram-se os ativos do Estado para cobrir o rombo do banco. O PSDB governa São Paulo desde então à luz desta pira.

A rivalidade entre petistas e tucanos nasceu e prosperou quando o Palácio dos Bandeirantes financiava gorda fatia da produção paulista e era capaz de apagar um terço do país com suas estatais de energia. Se a rendição vier a ser consumada entre um presidente petista e um governador tucano, isso não significa que um vai cair no colo do outro, mas está claro que a história não pode ser resumida a um bom negócio entre Banco do Brasil e Nossa Caixa.

Primeiro porque se dá num governo que agiganta a atuação de suas empresas públicas e torna as administrações estaduais cada vez mais delas dependentes. Molda um federalismo sem caminho de volta. Não pelo peso que dá ao Estado indutor, mas pela impossibilidade de os governos estaduais terem políticas concorrentes de desenvolvimento.

Além das linhas de crédito que têm sido abertas para viabilizar os planos de investimento dos governos estaduais, o Banco do Brasil, do ano passado para cá, já abocanhou a folha do funcionalismo de pelo menos três Estados - Maranhão, Bahia e Minas Gerais.

Em São Paulo, é o Banco do Brasil e não a Nossa Caixa que tem competitividade no financiamento do maior negócio da agroindústria, o etanol. Os maiores ativos do banco paulista são a capilaridade de suas agências e a rede de correntistas de renda mensal alta e estável. Isso não parece suficiente para justificar a manutenção do banco em mãos do governo do Estado.

A Nossa Caixa já deu o que tinha que dar à gestão José Serra com a compra da folha do funcionalismo paulista. O banco adquiriu por R$ 2 bilhões uma folha que, pela lei que privatizou o Banespa, já lhe seria de direito seis anos depois da privatização deste banco.

A compra da folha foi justificada à época pela entrada em vigor da lei que facilita a migração de correntistas entre bancos, mas o resultado concreto é que as contas da Nossa Caixa nunca mais se ajustaram depois do negócio. As injunções da operação passaram ao largo da crônica política, que limitou-se a escarafunchar o chamado "mensalinho paulista", duto pelo qual a conta de publicidade da Nossa Caixa, no governo Geraldo Alckmin, foi acusada de custear mandatos aliados na Assembléia Legislativa.

A reação dos bancos privados à negociação entre BB e Nossa Caixa não parece intimidar o governador José Serra, cujo discurso vai na tese de que não é por decisão do governo do Estado, mas em cumprimento da lei, que os depósitos judiciais devem ficar em banco público. Como o negócio não se viabiliza sem os depósitos, não haveria, portanto, como fazer o leilão.

Compra da Nossa Caixa sela novo federalismo

A estratégia enfrentará percalços como demonstram os votos já proferidos no Conselho Nacional de Justiça, em favor de bancos privados nesse tema. Tem ainda um projeto de lei de autoria do deputado Eduardo Cunha, comandante da tropa de choque do PMDB fluminense, que escancara os depósitos judiciais para os bancos privados. Com a celeridade que costuma dar aos interesses de seu grupo, este projeto já percorreu as duas Casas do Congresso e está em última votação na Câmara.

Se não conseguir evitar o leilão, o governador, poderá, simplesmente, recuar da venda. O oportunismo da campanha petista em 2006 contra as privatizações tucanas ainda está muito fresca na memória do partido para levá-lo mais uma vez a se enrascar nessa teia.

A era do gigantismo estatal da União também coincide com um sentimento difuso, mas predominante, captado pelas pesquisas de opinião, de que os serviços públicos pioraram, encareceram-se, ficaram mais abusivos e lesivos à população. Some-se a isso um exército de bancários demitidos, ou sob ameaça de demissão, a fazer protestos noite e dia, às vésperas da sucessão presidencial, contra a privatização do banco.

Se Serra tem muito a ganhar com a venda da Nossa Caixa para o Banco do Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não tem nada a perder ao montar uma sucessão sem adversários. O que piora é o humor do PT paulista porque o negócio pode vir a ser um bônus sem ônus para o governador.

Tirando a renovação da concessão de duas das três usinas da Cesp, não prevista em lei, o governo de São Paulo tem levado todas. No ano passado, conseguiu um acordo que viabilizou a reforma da previdência estadual. Tivesse o ministro Luiz Marinho encrespado, o governo paulista poderia ter que repassar ao INSS mais de R$ 15 bilhões da arrecadação previdenciária de 200 mil servidores temporários do Estado.

Também conseguiu que a Fazenda flexibilizasse o limite de endividamento do Estado para poder contrair novos empréstimos com o Banco Mundial destinados a transportes e saneamento. Este ano o BNDES também anunciou um novo empréstimo para o Estado com os mesmos fins.

Em artigo na "Folha de S.Paulo" (27/05/2008), o secretário de Transportes Metropolitanos, José Luiz Portella, justificou por que, com tantos empréstimos jorrando num caixa estadual já fortalecido por arrecadação crescente, o governo estadual ainda precisa de mais dinheiro. O Plano de Expansão do Transporte Metropolitano prevê, até 2010, investimentos da ordem de R$ 17 bilhões para aumentar em 55% a quantidade de passageiros transportados e diminuir em 25% o tempo médio de viagem no sistema.

É assim que, finalmente, pode surgir um discurso para o pós-lulismo. Depois do crescimento da renda, terá chegado a hora de dar fluidez ao inchaço do consumo. Só falta combinar com os adversários.

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