4 de janeiro de 2008

Política - Para além dos shoppings cheios

A virada do ano passado foi marcada pelo pessimismo com o equilíbrio fiscal e terminou com a segunda maior taxa de crescimento do governo petista. O segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva começou com a mais robusta base de apoio que se tem notícia e encerrou o ano com a maior derrota parlamentar desde o início de seu governo.

Os sinais trocados com que operaram a política e a economia no ano passado recomendam cautela com as previsões de 2008. O pessimismo estampado nos editoriais dos jornais e nos artigos de alguns dos principais articulistas econômicos do país, devia-se à decisão do presidente de aumentar o salário mínimo além da inflação e do recomendado pela equipe econômica.

Previu-se que a taxa de crescimento seria afetada pela dificuldade de o governo, sob a pressão de maiores gastos públicos, desonerar a economia. Também foi projetada nova explosão do déficit da Previdência além da quebra generalizada dos pequenos municípios que não teriam como arcar com sua folha de pagamentos.

Nenhum dos prognósticos se confirmou. E o reajuste do mínimo - remuneração de um em cada três trabalhadores brasileiros - acabou levando a que a massa salarial tenha fechado 2007 com uma elevação de 30% nos últimos três anos.

Considerava-se risível a expectativa de que a redução de juros viesse a compensar o gasto decorrente do aumento do mínimo. Pois no balanço feito na semana passada pelo Banco Central, constatou-se que, apesar de o Copom ter suspendido o corte na taxa de juros, os bancos continuam a reduzir os encargos cobrados de empréstimos a pessoas físicas e jurídicas. A razão apontada foi o aumento na concorrência entre os bancos pelo mercado de crédito aquecido por essa massa salarial mais robusta. Este ano essa concorrência deve aumentar ainda mais pela possibilidade de os correntistas endividados trocarem o banco gestor de seus débitos em busca de taxas mais vantajosas.

O ano em que se vislumbrou o cumprimento de uma das promessas eleitorais de 2002 - o fortalecimento de um grande mercado de consumo de massas no país - foi encerrado por uma oposição robustecida com derrubada da CPMF. Foi uma vitória parlamentar importante mas que não dá à oposição um lugar garantido na disputa do mercado eleitoral.

Tome-se, por exemplo, o programa do DEM, partido que capitaneou a votação. Se o discurso da carga fiscal fosse suficiente, o partido, depois de anos batendo na mesma tecla, não teria diversificado seu programa com outras bandeiras, como a do meio ambiente.

O sucesso parlamentar da oposição poderá ter impacto no mercado eleitoral se as medidas anunciadas para recompor as perdas decorrentes do fim da CPMF afetarem os interesses aliados.

Crescimento em alta tira jovens do ensino médio

Outra fonte de pressão esperada é sobre a aliança governista com sindicatos públicos e privados. Acordos salariais com categorias importantes de servidores estão agora ameaçados pela necessidade de caixa. O governo Lula tem atendido a antigas reivindicações do funcionalismo, como a reversão de empregos públicos terceirizados, a promoção de mais concursos públicos e reajustes favoráveis. Rompida esta relação, restará a capacidade de um governo de sindicalistas negociar com grevistas.

Com o sindicalismo do setor privado, o nó pode vir a se formar na ameaça da oposição de retomar a apreciação dos vetos presidenciais, abandonada há vários mandatos pelo Congresso. Encabeçando a lista de vetos cuja derrubada é cobiçada pela oposição, está um artigo do projeto de criação da chamada super receita que amplia as possibilidades de flexibilização das relações de trabalho, a chamada Emenda 3.

O cenário de dificuldades na base governista pode vir a ser amplificado se, na costura das alianças municipais, esgarçarem-se as relações entre petistas e demais aliados, fragilizando sua base parlamentar.

Se a oposição e os governistas já demonstraram mais disposição para o enfrentamento, o embate político em 2008 pode operar sem sinais trocados se focado nas necessidades do país. Agora que os shoppings estão mais vazios, não custa encontrá-las. O último boletim de Políticas Sociais do Ipea (dezembro/2007), por exemplo, é um prato cheio.

O crescimento econômico chegou com a menor taxa de desemprego dos cinco anos do governo Lula, mas pode ter sido responsável também pela queda nas matrículas do Ensino Médio (1,4% entre 2005 e 2006). A queda, pelo segundo ano consecutivo, atinge adolescentes que, ao ingressarem no mercado de trabalho sem sequer concluírem o ensino médio, estão condenados a subempregos.

A queda na criminalidade observada em alguns Estados tem pressionado ainda mais a superlotação das prisões. Apesar do aumento de 86% dos gastos com o sistema penitenciário entre 2004 e 2006, o déficit se mantém superior a 100 mil vagas.

Enquanto as vendas de Natal batem recordes decorrentes de ganhos reais maiores de salários mais baixos , o acesso da população aos bens culturais ainda indica um país radicalmente dividido. Enquanto metade das classes A/B freqüenta museus e dois terços vão ao cinema, 83% dos brasileiros das classes D/E nunca vão ao cinema, 82% nunca alugam filme em locadora, 88% não freqüentam museus e 92% não vão ao teatro. A única boa notícia nessa seara é que, em todas as classes sociais, faixas etárias e de escolaridade, ler livros já empata com a preferência de ir ao shopping. Talvez superasse se metade dos jovens brasileiros acima de 15 anos não estivesse fora da escola.


Maria Cristina Fernandes
Valor Econômico
4/1/2008

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