4 de janeiro de 2008

2008, reprise de 2007?


Por onde quer que se olhe, a economia brasileira surpreendeu positivamente em 2007: o desemprego despencou, a meta de superávit primário provavelmente foi superada, o crédito aumentou em 4% do PIB, as empresas captaram como nunca no mercado de capitais, o investimento direto estrangeiro foi recorde, o que ajudou a elevar as reservas internacionais a um patamar também recorde, e a meta de inflação foi outra vez atingida, a despeito da escalada nos preços dos alimentos. A maior surpresa foi a forte expansão dos investimentos, de 12% no ano encerrado no terceiro trimestre de 2007, na comparação com o mesmo período um ano antes, a maior alta desde 1997. O crescimento do PIB, estimado em mais de 5%, contra uma projeção inicial de 3,5%, vem logo depois na lista das boas surpresas.

Essa combinação de resultados positivos mexeu com as expectativas dos agentes econômicos, que iniciam 2008 com cenários mais otimistas do que um ano antes. A mediana das previsões de mercado aponta para uma expansão do PIB de 4,5%, o que permitiria ao país fechar seu qüinqüênio de mais alto crescimento desde 1988. Apesar disso, e da forte alta dos IGPs em 2007, o mercado calcula que a inflação feche o ano em 4,3%, ancorada em uma taxa de câmbio estável - o que não impediria o país de registrar outro saldo comercial elevado, ainda que menor do que em 2005-07, por conta da escalada nas importações. Também em relação às contas públicas, as previsões são positivas: em que pese o fim da CPMF, projeta-se um superávit primário de 3,6% do PIB, suficiente, junto com a queda dos juros e o ritmo forte de crescimento, para que a dívida líquida do setor público encerre o ano em 42% do PIB.

No seu último Relatório de Inflação, o Banco Central se junta a essa onda de otimismo, ao mesmo tempo em que lista os resultados positivos de 2007 e aproveita, aqui e acolá, para cutucar os que duvidavam de sua viabilidade um ano atrás. O BC também projeta que, em 2008, o PIB cresça 4,5%, puxado pela indústria, com desempenhos especialmente positivos dos setores de extrativa mineral e da construção civil. Da mesma forma, estima que agropecuária e serviços venham a ter outro ano bom, destacando-se positivamente neste último os setores de comércio e transporte, com expansões de 7,3% e 6,3%, respectivamente, e "negativamente" a administração pública, que cresceria apenas 1,7%. O BC prevê, igualmente, outro ano de resultados positivos no balanço de pagamentos, em que pese o saldo em conta corrente passar a território negativo, com o aumento das remessas de lucro e dividendos e o menor saldo comercial. Em particular, o BC nota que as exportações manterão uma saudável expansão e que o aumento das compras externas será liderado outra vez pelas importações de bens de capital, fruto de uma nova e forte elevação do investimento, que projeta chegar a 10,4%, pouco abaixo dos 12,2% estimados para 2007, o que reduz o receio de que a rápida elevação da demanda doméstica gere pressões inflacionárias. Apesar disso, o Relatório sugere que há pouco espaço para reduzir a Selic, a menos que o câmbio volte a se apreciar com força: mantidos os juros em 11,25% e o câmbio em R$ 1,8/US$, os modelos do BC indicam que a inflação ficaria essencialmente na meta até o fim de 2009.

Confirmado o cenário repeteco, parece inevitável que o Brasil alcance a classificação de grau de investimento por pelo menos uma das principais agências

A visão de que 2008 venha a ser um repeteco de 2007 reflete a inércia em geral embutida nas previsões econômicas, assim como transformações estruturais e fatores cíclicos. Tudo indica, em especial o forte aumento do investimento, que o Brasil pode estar passando a um patamar mais elevado de crescimento sustentado, refletindo o processo de reformas das duas últimas décadas, iniciado com as primeiras privatizações nos anos 1980, passando pela abertura comercial, a estabilização de preços e as reformas institucionais dos anos recentes, e indo até a aprovação de uma nova lei de contabilidade, que começou a valer a partir do dia primeiro deste mês. Por outro lado, a previsão de que 2008 repita 2007 também embute a suposição de que os fatores cíclicos continuarão a operar da mesma forma, e é em relação a esses que se têm os maiores riscos desse cenário, ambos devidamente citados no Relatório: o de que a atual desaceleração nos EUA se transforme numa recessão, arrastando consigo o sistema financeiro e a economia mundial, que cresceria mais lentamente por alguns anos; e, numa escala menos dramática, que a forte expansão da demanda doméstica gere uma aceleração inflacionária, exigindo que o BC eleve a taxa básica.

Por outro lado, confirmado o cenário "repeteco", parece inevitável que o Brasil alcance a classificação de grau de investimento por pelo menos uma das principais agências de classificação de risco, o que potencializaria o interesse do investidor estrangeiro no país. Se isso ocorrer em um contexto de desaceleração do crescimento econômico mundial, que iniba as pressões sobre os preços de alimentos e leve os bancos centrais dos países industrializados a reduzir as taxas básicas de juros em termos reais, mas sem que aumente a aversão ao risco, o espaço para reduzir a Selic e para que os ativos brasileiros se valorizem será ainda maior. Isso levaria a outro ano de surpresas positivas, com o PIB, o investimento, o crédito e as reservas internacionais crescendo a taxas ainda mais próximas às estimadas para 2007, enquanto a relação dívida pública / PIB cairia ainda mais do que o mercado projeta atualmente.

Torça pelo melhor, prepare-se para pior. Poucas vezes o lema dos prevenidos se aplicou tão bem quanto neste início de ano. Há muito a celebrar, mas nunca é demais lembrar que raramente as previsões consensuais de mercado se realizam, para o bem ou para o mal. Com as economias mundial e brasileira crescendo tanto faz tanto tempo, e com os sistemas financeiros americano e europeu em crise, a chance de uma derrapagem é grande. Além disso, como sempre, há riscos que agora não parecem tão relevantes, mas podem se tornar críticos ao longo do ano, como ocorreu com a crise dos subprimes em 2007. Não custa estar prevenido.

Isto posto, um feliz 2008 para todos.

Armando Castelar Pinheiro, economista do Ipea e professor do IE-UFRJ, escreve mensalmente às sextas- feiras.


1 comentários:

  • sábado, 05 janeiro, 2008
    Anônimo says:

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