Secretaria Nacional Antidrogas transfere para a Polícia Federal a responsabilidade de informar à Justiça o que fazer com o veículo de traficante colocado à disposição de delegado cedido à Abin
A Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), ligada à Presidência da República e responsável pelos bens apreendidos em ações policiais de repressão ao tráfico, transferiu à Polícia Federal a missão de opinar sobre o BMW X5 colocado à disposição da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). A Justiça Federal no Paraná deverá levar em conta essa manifestação para decidir se o carro avaliado em R$ 296,5 mil e apreendido durante a Operação Ícaro, em 2006, ficará na agência ou retornará à PF.
A pedido da Abin, o juiz Sérgio Fernando Moro, titular da 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba, permitiu, no mês passado, a utilização do veículo pela agência em caráter provisório. No mesmo despacho, o magistrado pediu à Senad que avaliasse o assunto para se pronunciar definitivamente. A secretaria informou ontem o teor da resposta enviada ao juiz do Paraná na última sexta-feira: “Qualquer alteração na destinação do veículo deverá ocorrer por anuência da PF”.
Procurado pela reportagem, o diretor-geral da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa, informou que aguardará as informações da Justiça no Paraná e da Senad para se manifestar sobre o episódio. Corrêa também busca dados nas diretorias de Inteligência e de Logística da corporação.
Apesar de apreendido em São Paulo, em inquérito conduzido pela Superintendência da PF no Paraná, o BMW foi colocado à disposição da Diretoria de Inteligência (DIP) da PF para ser usado em ações contra o crime, representação ou proteção de testemunhas e autoridades. Respondia pela área o delegado Renato Porciúncula. Em outubro, quando assumiu a assessoria especial do novo diretor-geral da Abin, Paulo Lacerda, Porciúncula levou junto o veículo. Logo depois, a Abin formalizou o pedido de transferência, autorizada pela Justiça para uso no interesse do serviço público.
O Correio flagrou Porciúncula à bordo do carro no trajeto entre o Lago Norte, onde mora, e o trabalho, no Setor Policial Sul, conforme reportagem publicada na edição da última segunda-feira. O delegado sustenta que o veículo lhe foi entregue pela Justiça na condição de fiel depositário e que tem sido utilizado no interesse do serviço público, em respeito à decisão judicial.
Procedimentos
O juiz Sérgio Moro afirmou ontem que prefere não antecipar os procedimentos que pretende adotar. Ele encaminhou um ofício à Abin, solicitando esclarecimentos sobre as circunstâncias em que o BMW está sendo usado pelo delegado Porciúncula. “Vou esperar a resposta da Abin para decidir quais providências tomar, afirmou o magistrado.
A Operação Ícaro resultou na apreensão de um frota de 14 carros de luxo, pertencentes a uma quadrilha de traficantes de drogas que atuava em três estados — São Paulo, Paraná e Santa Catarina. O BMW pilotado por Renato Porciúncula estava em nome de Luiz Carlos Marques, identidade falsa de Luciano Geraldo Daniel, apontado como líder do bando.
A Superintendência da PF no Paraná solicitou à Justiça o direito de usar os veículos. Dispensou um Corvette, leiloado por R$ 169,5 mil. De acordo com o Sérgio Moro, entre os automóveis cedidos para a polícia, além do BMW, apenas outro carro não está sendo usado pelos federais no Paraná. O juiz disse que o veículo está na Superintendência da PF em São Paulo.
Comentários no site
Estampada na página da internet da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapf), a notícia de que o delegado Renato Porciúncula, assessor especial da Abin, usava um BMW X5 apreendido numa operação policial para ir de casa para o trabalho provocou reações. Comentários registrados no site revelam o que pensam os leitores, em sua maioria policiais federais.
Um dos comentários indica que é comum o uso indevido de viaturas e carros apreendidos, cuja utilização foi autorizada pela Justiça. “Isso é a ponta de um imenso iceberg, pois tem casos, muitos de delegados que usam veículos oficiais para mandar levar mulher ao cabeleireiro, filho na escola, ir ao pôquer, utilização de casas e apts oficiais sem necessidade, ufa!(sic).”
A maioria dos leitores, contudo, analisou o caso específico de Renato Porciúncula, flagrado pelo Correio saindo com o BMW da garagem de casa, no Lago Norte, e seguindo para o trabalho, no Setor Policial Sul. “Queria ver se fosse um Monza vermelho, 1988, SLE completo (o famoso trio elétrico)....será que tais autoridades ‘tirariam onda’??? Duvido!!!”, comentou um leitor. Outro participante da lista de comentários foi mais radical com o que classificou de confusão entre o público e o privado. “A lei é feita para todos. Mas existem pessoas que acham que estão acima delas, as leis. Em tese, existe, no mínimo, o crime de improbidade administrativa”, avaliou.