5 de junho de 2007

Empresários devem negociar mais com a Índia, pede Lula

A grande aproximação política entre Brasil e Índia, desde o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi incapaz, até agora, de garantir o aumento sustentado do comércio entre os dois países, reconhecem o próprio Lula e auxiliares mais próximos. Incomodado com a situação, o presidente transformou boa parte dos discursos, na visita à Índia, que acaba hoje, em exortações aos empresários para acreditarem no potencial do comércio e investimento bilaterais.

"Não podemos aceitar que economias tão fortes e diversificadas como as nossas tenham trocas ainda modestas e concentradas em poucos itens", queixou-se Lula, ao lançar o Fórum de Lideranças Empresariais, com altos executivos dos dois países. Ele lembrou que os indianos têm sido mais dinâmicos na busca de oportunidades no mercado brasileiro e pediu aos brasileiros que sigam o exemplo. "Contamos com vocês para que nosso intercâmbio chegue até US$ 10 bilhões até 2010."

Além da convocação aos empresários, Lula cobrou pessoalmente do presidente da Petrobras o compromisso com investimentos na Índia. "Antes do meu governo, a Petrobras ficava em cima do muro, agora quero que invista no exterior", disse Lula ao ministro de Petróleo e Gás da Índia, Murli Deora, em um encontro incluído na última hora, na agenda, para o qual convidou o presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli. "Quanto vão investir, Petrobras?", cobrou Lula. "US$ 1 bilhão", respondeu Gabrielli, que, na véspera dizia ser difícil calcular o investimento no acordo assinado ontem com a estatal indiana ONGC, para exploração conjunta de três plataformas nos litorais brasileiro e indiano.

O acordo com a ONGC, negociado desde o início do ano, foi precedido por um gesto amistoso da Petrobras, ao ceder para a indiana o direito de participar, com a Shell, de um campo antes designado para a Exxon na plataforma de Campos. No acordo assinado ontem, as empresas deverão explorar gás nas plataformas marítimas - no caso da indiana para consumo na própria Índia. "Vamos montar uma equipe técnica rapidamente para o plano de avaliação que definirá o programa de desenvolvimento dos campos", disse Gabrielli. "E, agora, vamos discutir com o governo indiano o desenvolvimento do mercado de etanol."

A Índia tem programas voluntários de adesão do etanol à gasolina, na proporção de 5%, em nove de seus 28 Estados. Para viabilizar economicamente a produção os empresários do setor sugerem tornar obrigatório o uso do álcool e a extensão do programa a toda a Índia, ou a elevação para 10% do percentual nos nove Estados. A Petrobras quer estudar o adiantado programa de uso de bagaço de cana para geração de energia, na Índia. Na próxima semana, a estatal enviará uma missão técnica ao país.

"A Petrobras funciona como uma cabeça de ponte, abre caminho para fornecimento de equipamentos de empresas brasileiras", afirmou o diretor de Exploração da empresa, Guilherme Estrela, que acompanhou Gabrielli. As transações entre a Petrobras e a ONGC, pelas quais o Brasil importa óleo diesel e exporta óleo pesado à Índia, são o principal responsável pela elevação do comércio entre os dois países, para US$ 2,4 bilhões, no ano passado.

Lula quer dar mais qualidade à balança comercial dos dois países, hoje "muito restrita a produtos de menor valor agregado", segundo afirmou. Garantiu aos executivos que os dois governos estão empenhados em resolver os obstáculos aos negócios entre os dois países. No comunicado conjunto, que Lula assina hoje com o primeiro-ministro Manmohan Singh, os governos se comprometem a lançar campanhas para estimular as "relações econômico-comerciais bilaterais" e prometem facilitar a "participação de empresários, cientistas, técnicos e prestadores de serviço" nas duas economias.

Embora Lula tenha ficado impressionado com o entusiasmo dos representantes do setor privado presentes nos eventos da comitiva oficial em Nova Déli, ainda há sérios obstáculos nos mercados dos dois países e algumas desconfianças. Após um discurso enfático em defesa do comércio bilateral, o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Base (Abdib), Paulo Godoy, foi abordado por um empresário com interesses na Índia que lhe disse não ser fácil a vitória de empresas estrangeiras em concorrências do setor público indiano. "Nossa grande dúvida é se vão mesmo abrir mercado na Índia para empresas internacionais", disse Godoy, após a conversa.

Comentava-se, também na comitiva empresarial, a má experiência da Dedini, fabricante de equipamentos para usinas, que, após associar-se à indiana Uttam para a construção de 15 usinas de álcool no país, viu a sócia abandonar a sociedade depois de adquirir a tecnologia da brasileira e transformar-se em competidora bem-sucedida em uma disputa pelo mercado venezuelano.

Enquanto importantes empresários indianos compareceram em peso às atividades da missão empresarial, a delegação brasileira, apesar de ter quase 100 integrantes, teve principalmente dirigentes de associações empresariais e representantes comerciais e consultores e poucos executivos do primeiro escalão de grandes empresas. A pequena participação das estrelas do setor privado brasileiro não arrefeceu o interesse dos indianos. "Estamos procurando um possível parceiro para investir até US$ 2 bilhões para operações de perfuração, transporte e embarcações semisubmersíveis", explicava, na manhã de ontem, Alex Alex, consultor da Mercator Lines, uma das três maiores companhias de transporte marítimo do país, dirigida pelo bilionário Harish Mittal.

Índianos querem transferência de tecnologia para etanol

A pregação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva encontrou, na Índia, uma platéia acolhedora, alimentada pelo forte interesse por parte do governo indiano em projetos conjuntos no setor e pela curiosidade dos empresários da Índia em relação a negócios com biocombustível.

No banquete em honra ao presidente brasileiro, oferecido ontem à noite pelo presidente indiano, Abdul Kalam, o presidente e o ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, foram solicitados a dar lições sobre os carros bicombustível (flexfuel) e o crédito agrícola a pequenos agricultores, uma necessidade no país que tem 60% de sua população na área rural, em situação de pobreza.

O tema também dominou o encontro de altos executivos no Fórum de Lideranças Empresariais criado pelos dois países, onde os empresários indianos pediram explicações sobre a regulamentação brasileira para o biocombustível. "Os produtores de açúcar na Índia estão interessados em transferência de tecnologia para produção de etanol aqui no país", comentou o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, co-presidente do Fórum, , com o indiano Ratan Tata.

Lula aproveitou para afinar, com o primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh, o discurso que pretende levar, amanhã, para a reunião do G-8, o grupo dos países mais poderosos do mundo, na Alemanha - da qual participarão Brasil, Índia e outros três países de economia emergente. O presidente vincula o programa de biocombustíveis ao esforço para reduzir o aquecimento global e à busca de alternativas para as economias mais pobres da Ásia e América Latina, dois temas de sucesso na opinião pública mundial.

No comunicado conjunto, a ser divulgado hoje por Lula e Singh, ambos dedicam 2 dos 23 parágrafos ao tema. Defendem, como forma de enfrentar a mudança climática, o uso de "fontes limpas e renováveis para a matriz energética mundial", para eficiência e segurança energética e biocombustíveis.

Eles também comemoram iniciativas como o Fórum Mundial de Biocombustíveis e o acordo bilateral sobre mistura de etanol à gasolina, apresentados como passos para o uso de energia limpas e criação de um "mercado internacional do etanol", capaz de reduzir a dependência global de combustíveis fósseis.

Lula foi ainda mais explícito em um artigo publicado no jornal inglês "The Guardian", no qual defende sistemas de certificação rigorosos, por acordos internacionais, para garantir padrões trabalhistas e ambientais aceitáveis. Argumenta que a adoção de biocombustíveis ajudará o combate à pobreza nos países menos desenvolvidos e defende que as vantagens do combustível "limpo" dependem da criação de um mercado padronizado para o etanol e biodiesel, e a abertura dos mercados dos países ricos para esse tipo de combustível.

"Se depender do nosso entusiasmo, todo mundo vai entrar na era do biocombustível, é irreversível", comemorou Lula, ao sair do hotel onde se hospedou, para o jantar com as autoridades indianas. "O Brasil não quer fornecer para todo mundo, quer incentivar os países pobres para que tenham onde plantar", comentou. "Imagina se o mundo inteiro utilizar 10% de biodiesel com o óleo diesel."

Apesar da ausência dos maiores empresários do setor, que preferiram prestigiar o encontro mundial do etanol, em São Paulo, consultores e empresários de menor porte incorporaram-se à comitiva do presidente Lula, para buscar negócios na área do etanol. "Temos um contrato de fornecimento de 5 milhões de litros de etanol brasileiro à Índia, estamos buscando formas de aumentar isso", comentava, no mesmo hotel onde se hospedou Lula, o presidente da Grade Trading, Gilberto Vitniski. "A Índia é uma opção viável, porque não vai haver mercado interno para todo o álcool produzido no Brasil", prevê. "Existem 123 usinas a entrar em funcionamento em três anos, que se somarão às cerca de 210 em operação hoje", contabiliza o empresário.

Os indianos procuram formas de se associar a usinas brasileiras para produção de álcool no Brasil, mas ainda são céticos em relação ao mercado de exportação do produto, alerta o advogado Halley Henares, de Nova Déli, para atrair investidores.

Há investidores analisando o mercado brasileiro há três anos, e a insistência deles em pagar menos pelo fornecimento de cana que concorrentes como os europeus pode levá-los a áreas ainda pouco exploradas, como o Estado do Tocantins, acredita Henares. "Falta ainda aos indianos maior conhecimento do mercado, para investirem com menos risco", explica o advogado.

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