7 de março de 2010

O candidato clandestino

Diz o noticiário que o governador José Serra ficou "sem jeito" ao ouvir o coro "Aécio presidente" na bem ensaiada inauguração da Cidade Administrativa Presidente Tancredo Neves, a nova sede do governo mineiro, em Belo Horizonte, na quinta-feira. É natural essa reação, embora muito provavelmente Serra não tenha sido surpreendido pela manifestação. Afinal, não é pequeno o ressentimento dos partidários do governador Aécio Neves ? detentor, de resto, de índices quase lulistas de popularidade em Minas ? por não ter prosperado no PSDB a sua candidatura ao Planalto este ano. Nos bastidores do partido, Serra manobrou para afirmar a sua primazia sobre o rival, respaldado pelas pesquisas eleitorais que invariavelmente apontavam o paulista como o mais competitivo presidenciável tucano. Além disso, pesou a seu favor o princípio de que política tem fila ? e desde o dia em que assumiu o Palácio dos Bandeirantes, o adversário de Lula em 2002 tornou-se o candidato natural da oposição para este ano.

Na véspera de fazê-lo de viva voz, o aecismo deu-lhe o troco por escrito, sob a forma do editorial Minas, a reboque não!, do governista Estado de Minas. O jornal investe contra "a arrogância de lideranças políticas" (José Serra e Fernando Henrique) que pressionam Aécio para aceitar a vice na chapa tucana. O mineiro, candidato declarado ao Senado, recusa a oferta dia sim, o outro também, mas admitiu que, "em um determinado momento", poderá reavaliar a sua decisão. O prazo final para o registro das chapas é 30 de junho. Julgue-se como se queira a "indignação" assumida pelo diário, o texto traz um argumento dificilmente refutável. Já que o PSDB se recusou a manter acesa a disputa interna, aponta, "que pelo menos colocassem na rua a candidatura de Serra e dessem a ela capacidade de aglutinar outras forças políticas, como fez o Palácio do Planalto com a sua escolhida, muito antes de o PT confirmar a opção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva".

Estivesse a sua candidatura na rua, o coro "Aécio presidente" ecoaria do mesmo modo na festa mineira. Mas o fato decerto teria menos destaque no noticiário do evento, sem falar que Serra estaria mais à vontade para encarar o contratempo com filosófica resignação, na expectativa de que o tempo e as realidades políticas acabarão induzindo o aparato aecista a se engajar na sua campanha, contando com os frutos da mobilização, se vitoriosa.

A propósito, o próprio Aécio, com característica leveza, fez a primeira cobrança do gênero em um almoço naquele mesmo dia, na presença dos dirigentes dos partidos e de oposição e do mineiro Nilson Naves, ministro do Superior Tribunal de Justiça: "Serra, quando você for presidente, indique uma meia dúzia de ministros mineiros para os tribunais." É sabido que Serra quer ser presidente desde criancinha. Mas a relutância em assumir a sua legítima aspiração, pela qual trabalha em surdina, já faz com que se diga que ele não tem medo do poder ? tem medo do voto.

Como o recruta da marcha que acha que todos os outros estão no passo errado, Serra deve estar convencido de que sua estratégia dará certo. Talvez dê, mas por enquanto não há quem entenda o que ele tem a ganhar se comportando como candidato clandestino ? que apenas em conversas reservadas admite a candidatura, revelando aos privilegiados interlocutores o mais clamoroso segredo de polichinelo da sucessão presidencial.

E isso porque os números da nova pesquisa do Datafolha, mostrando Dilma Rousseff cada vez mais no seu encalço, obrigaram os tucanos a voar atrás do prejuízo. O contraste entre a desenvoltura de longa data da operação Dilma e o tardio despertar da oposição para o imperativo de tirar Serra do lusco-fusco em que escolheu permanecer serviram até agora para debilitar eleitoralmente o governador.

A errática conduta de Serra também alimentou até bem pouco as especulações sobre uma possível reviravolta nos seus planos ? ele desistiria da Presidência da República pela reeleição em São Paulo, supostamente a salvo de turbulências. Essa hipótese é desonrosa para o governador. A esta altura, ou ele disputa o Planalto ou sai da vida pública. Como a sua escolha está feita, já passou da hora de ser coerente com ela. A oposição precisa de um candidato que vá para a batalha pela porta da frente. Editorial do Estadão

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