28 de agosto de 2009

STF absolve Palocci e torna Mattoso réu

O Supremo Tribunal Federal (STF) absolveu, ontem, o ex-ministro da Fazenda e atual deputado federal Antonio Palocci (PT-SP) da acusação de ter participado da quebra de sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, mas ordenou a abertura de ação penal contra o então presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Mattoso. Ele responderá a processo na 1 instância. Marcelo Netto, ex-assessor de imprensa de Palocci, também foi absolvido.

A decisão abre caminho para Palocci voltar ao governo - o presidente Luiz Inácio Lula da Silva gostaria gostaria de tê-lo novamente em seu ministério - e também se candidatar em 2010 - o ex-ministro teria a ambição de disputar o governo de São Paulo.

Os ministros concluíram, por cinco votos a quatro, que não existem provas concretas de que Palocci teve participação direta na quebra do sigilo do caseiro. Já Mattoso sofreu oito votos contrários por ter obtido o extrato bancário do caseiro e repassado-o a Palocci. Marcelo Netto se beneficiou de uma diferença entre os votos dos ministros. Quatro foram pela abertura de processo contra ele e outros quatro foram contrários. Apenas Cezar Peluso votou pelo envio dessa decisão à 1 instância. Diante do impasse, os ministros decidiram aplicar o princípio de "in dubio pro reu" (na dúvida, favorece-se o réu). Com isso, o ex-assessor de Palocci foi absolvido.

O então ministro da Fazenda foi acusado, em 2006, pela Polícia Federal e pelo Ministério Público de ter ordenado a obtenção do sigilo bancário do caseiro para, depois, divulgá-lo à imprensa. O objetivo seria desmoralizar Nildo, que havia declarado à CPI dos Bingos que Palocci se reunia com assessores numa casa alugada, onde movimentavam quantias grandes de dinheiro que seriam destinadas ao financiamento de campanhas eleitorais.

De acordo com a acusação, Palocci teria pedido a Mattoso para obter o extrato bancário do caseiro. Mattoso teria obtido e entregue o extrato. Em seguida, Netto teria vazado o extrato para a revista Época que divulgou-o um dia após o depoimento de Nildo à CPI. O objetivo seria desmoralizar o caseiro que tinha aportes de até R$ 40 mil em sua conta. Mas, após a divulgação do extrato, soube-se que os valores foram depositados por seu pai biológico para que Nildo desistisse de uma ação de paternidade.

O episódio levou à queda de Palocci e às demissões de Mattoso e de Netto. A PF e o MP abriram investigação contra os três. Com isso, a volta de Palocci a um posto de destaque no PT passou a depender do resultado do julgamento deste caso no STF. Foram três anos de apurações e, ontem, o STF colocou uma pá de cal no assunto.

"Não se pode submeter a Palocci a acusação de violação, uma vez que não foi ele que acessou a conta", afirmou o relator do processo, ministro Gilmar Mendes. "Parece-me que isso é inquestionável", completou Mendes, que preside o STF. Por outro lado, ele considerou que Mattoso não estava autorizado a repassar o extrato do caseiro, obtido na Caixa, e, por isso, votou pela abertura de ação contra ele. Mattoso responderá a processo na 1 instância, pois, ao contrário de Palocci, não tem foro privilegiado.

A maioria dos ministros seguiu essa linha de que não se devem presumir fatos criminosos sem que existam provas concretas de ocorrência dos crimes. "Os indícios de autoria relativamente aos dois acusados (Palocci e Netto) são débeis, frágeis, tênues", disse o ministro Ricardo Lewandowski. Também votaram nessa linha os ministros Eros Grau, Cezar Peluso, Ellen Gracie e Celso de Mello. "Eu tendi, num primeiro momento a receber a denúncia, mas o exame dos autos não vai resolver tais dúvidas", justificou Peluso. "Posso supor que Palocci possa ter mandado ou sugerido a Mattoso para emitir os extratos. Não há, porém, nenhum dado concreto de que isso tenha acontecido", completou. Peluso destoou dos demais apenas quanto a Netto e Mattoso. Como ambos não têm foro privilegiado, ele achou que caberia à 1 instância decidir sobre a abertura de processo contra eles.

Já os ministros Marco Aurélio Mello, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Carlos Ayres Britto e Celso de Mello, concluíram que deveria ser dada a oportunidade de o MP produzir novas provas neste caso. "Entendo que a denúncia é robusta, pois se baseou num inquérito policial que merece menção elogiosa", afirmou Britto. Ele destacou que a PF ouviu 32 pessoas, entre testemunhas e indiciados. E lembrou a origem humilde do caseiro. "Esse caso envolve um cidadão comum do povo, um homem simples, que teve a coragem de, num fórum público, revelar o que lhe parecia desvio de comportamento de autoridades", disse Britto. "E justamente contra esse cidadão comum que se desencadeou a quebra do sigilo bancário e o vazamento para toda a imprensa", completou. Marco Aurélio fez uma ironia ao dizer que, se a denúncia tivesse mão dupla, abririam contra "o simples caseiro" para apurar suposta lavagem de dinheiro devido ao saldo em sua conta. "É proibido o recebimento de denúncia contra o então poderosíssimo ministro da Fazenda e atual deputado federal?", questionou Marco Aurélio. "A resposta é desenganadamente negativa."

O julgamento foi acompanhado pessoalmente pelo caseiro. Antes da decisão, ele dizia estar mais tranquilo do que na CPI, porque não precisaria depor. "Aqui, é fácil, pois é só assistir", disse Nildo, vestindo um incomum terno cinza, com meias brancas abaixo dos tornozelos. Depois do julgamento, não quis se manifestar.

O STF não permitiu que o advogado de Nildo auxiliasse a acusação na defesa oral. Com isso, coube ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, fazer a defesa solitária da abertura de ação penal contra Palocci. Ele listou os encontros de Palocci e Mattoso, antes da quebra do sigilo, e a série de telefonemas realizados entre Palocci e Netto e outra deste último para a revista Época, pouco antes da divulgação do extrato do caseiro. "Os fatos devidamente concatenados não deixam dúvidas quanto às atividades tendentes a revelar relações fáticas e também quanto à autoria dos delitos", disse Gurgel. "Os dados bancários de Francenildo foram
obtidos e divulgados", enfatizou.

Após a acusação de Gurgel, os advogados de defesa tiveram 15 minutos cada um para rechaçar a argumentação do Ministério Público. O advogado José Roberto Batocchio, que defendeu Palocci, disse que o MP redigiu quatro mil páginas de acusação, sem conseguir provar a culpa do então ministro da Fazenda. "A acusação não logrou demonstrar qual foi o ato, a ação, a conduta concreta de Palocci no sentido de participar ou de promover a quebra do sigilo bancário ou a divulgação dos dados decorrentes desta quebra", afirmou. Battochio ressaltou ainda que o MP alegou que Palocci teria pedido o extrato bancário de Nildo em reunião com Mattoso, no Palácio do Planalto, na qual estavam presentes o presidente Lula, presidentes de bancos públicos e a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Assim, se a denúncia fosse aceita também teria de investigar Lula, Dilma e os dirigentes de bancos estatais. "Quero assinalar que Mattoso chegou atrasado e saiu mais cedo (da reunião). Em que momento (Palocci) teria determinado a quebra de sigilo?"

Já o advogado Alberto Toron, que defendeu Mattoso, argumentou que o então presidente da Caixa apenas procurou verificar se Nildo teria participado de crime de lavagem de dinheiro. Ele ressaltou que o Banco Central determina aos bancos públicos a verificação e movimentação atípica. Nildo ganhava R$ 400 e recebeu R$ 40 mil. "Esse homem recebeu uma quantia incompatível com a sua renda e o que se fez foi investigar para verificar se houve lavagem de dinheiro", disse Toron. "Matoso, ao fim e ao cabo, cumpriu dever de ofício, pois havia uma suspeita." Após o julgamento, Toron afirmou que iria estudar a possibilidade de ingressar com embargos - recurso utilizado quando há divergência entre os votos.

Por fim, o advogado Luiz Eduardo Roriz, que atuou para Marcelo Netto, alegou que não houve provas concretas de que ele passou o extrato de Nildo para a revista. "De onde se tira a ilação de que Marcelo Netto passou cópia do documento para a imprensa? Não há nenhuma prova." Roriz afirmou ainda que as ligações de Netto para a revista foram "absolutamente normais", pois faziam parte de seu trabalho diário. "Presumir que um assessor de imprensa não possa falar com a própria imprensa é um pouco demais, um pouco infantil e pueril."

Ao fim, prevaleceu o entendimento do presidente do STF de que não se pode presumir a existência dos crimes contra Palocci. "Embora seja evidente que, em algum momento, alguém divulgou (o extrato) para a imprensa, não se pode presumir que o ministro da Fazenda tenha dela participado", afirmou Mendes. "O que existe é um conjunto de ilações que não estão devidamente concatenadas", concluiu.

0 comentários to “STF absolve Palocci e torna Mattoso réu”

Postar um comentário

 

Blog Da Kika Copyright © 2011 -- Template created by Kika Martins -- Powered by Blogger