O Tribunal de Justiça de São Paulo extinguiu ontem, por dois votos a um, um dos dois processos que pedem o reconhecimento de que o coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandou o DOI-Codi em São Paulo, ordenou torturas a presos políticos. Os autores dos processos, ex-presos e familiares, não querem indenização, mas a declaração de que foram torturados por motivos políticos durante a ditadura militar.
Ontem, no entanto, o processo da família do jornalista Luiz Eduardo Merlino, morto aos 23 anos pela repressão, foi extinto por motivos técnicos, segundo os desembargadores, que não entraram no mérito do caso. Oficialmente, Merlino teria se matado, ao se lançar diante de um caminhão. O jornalista, no entanto, sofreu gangrena nas pernas e tinha sinais de ter passado mais de dois dias pendurado no pau-de-arara antes de morrer.
Sequer as testemunhas serão ouvidas. O advogado Fábio Konder Comparato, que defende a família Merlino, vai recorrer ao Superior Tribunal de Justiça.
- A decisão é escandalosa. Extinguir um processo onde sequer as pessoas foram ouvidas? Não vamos descansar enquanto Ustra não for reconhecido como torturador - disse a irmã do jornalista, Regina Maria Merlino Dias de Almeida, de 64 anos.
Decisão gera protestos; família recorrerá ao STJ
O principal motivo da extinção da ação foi a alegação da defesa de ilegitimidade da parte. A defesa de Ustra alegou que a mulher do jornalista, Angela Maria de Almeida, não era casada legalmente com ele nem comprovou união estável e, por isso não poderia ter assinado a representação. Na sessão, desembargadores ressaltaram que não emitiam juízo de valor sobre os atos cometidos por Ustra, que seriam de Direito penal e não cível, como a ação foi proposta.
- Há cinismo nisso tudo. É como se o fato de não pedirmos dinheiro, e sim um reconhecimento para a História de que Ustra foi um torturador, estivesse tecnicamente errado. Se não conseguirmos nada no STJ, iremos até a Corte Internacional de Direitos Humanos - disse.
Ontem, no TJ de São Paulo, vários familiares e ex-presos fizeram um protesto depois do julgamento. Eles decidiram promover uma série de ações nos mesmos moldes.
- Eu fui torturada por Ustra e já decidi fazer um processo igual. Ele pessoalmente me deu choques elétricos nas mãos e muitos tabefes. Além disso, era ele quem comandava as torturas, temos várias testemunhas disso - disse a psicóloga Lúcia Coelho, de 71 anos.
A empresária Leane Almeida, de 60 anos, é uma das testemunhas do caso Merlino:
- Sequer fui ouvida. Fui presa no mesmo dia que Merlino e o ouvi gritar por três noites, na tortura comandada por Ustra. Ustra gritava, dava ordens para torturarem Merlino - conta.
Merlino foi torturado e morto em 1971. O corpo, que teria sinais de tortura, só foi enterrado pela família porque o cunhado de Merlino, delegado, o encontrou em uma gaveta do IML, sem identificação. O jornalista era militante do Partido Operário Comunista (POC).