22 de julho de 2008

Eles deram meia volta


Depois da indignação popular, senadores desistiram de criar mais 97 cargos de confiança, com salários de quase R$ 10 mil cada um

Assim como quem não quer nada, o Senado quase criou, sem concurso, mais 97 cargos de confiança. Cada assessor ganharia R$ 9.979,24. Por ano, seria um aumento de R$ 12 milhões nas contas públicas. Os senadores aprovaram no dia 9 de julho o novo trem da alegria, em reunião a portas fechadas. Não contavam com a indignação popular, que entupiu os sites com expressões como "vergonha", "escândalo", "descaramento" e "desrespeito". Seis dias depois, os senadores desistiram da contratação. E por telefone mesmo.

Nem quiseram discutir no plenário. O Senado estava quase vazio na última terça-feira, véspera do recesso parlamentar.

“Não dá para tapar o sol com a peneira, a repercussão foi negativa”, disse o presidente da Casa, Garibaldi Alves (PMDB-RN). Ele tinha sido o único a votar contra os novos assessores. Perdeu por 7 a 1. “O Senado não está precisando criar mais cargos. Pega mal, há outras prioridades”, afirmou Garibaldi. Os colegas no comando da Casa peitaram o líder e aprovaram os 97 assessores na surdina. Pensavam provavelmente que, na mesma semana da prisão de Daniel Dantas, ninguém repararia nisso. Após o recuo, Garibaldi foi diplomático: “Quem sai fortalecido é o Senado, que soube reconhecer que a medida não era oportuna”. Menos diplomático, o senador Sérgio Guerra (PSDB-PE) chamou o episódio de “uma deplorável trapalhada”. Não dá para criar cargo hoje e desistir amanhã, sem explicar nada.

Se ninguém protestasse, os 97 assessores seriam contratados sem concurso público. E para fazer o quê, exatamente? Para assessorar os 81 senadores e as lideranças partidárias. Claro.

Hoje, cada senador já tem direito a seis assessores e seis secretários parlamentares. Eu me pergunto por que um senador precisa de tanta assessoria. Doze pessoas? E cada um queria contratar mais um ajudante, sem concurso público?

Depois de tentar criar mais 97 cargos sem concurso,
os senadores tiveram de desistir do trem da alegria
Senadores ganham por mês R$ 16.512,09. Além dos 12 salários por ano e do 13º, cada senador recebe o mesmo valor no início e no fim de cada sessão legislativa. Ou seja, 14º e 15º salários. Cada senador também recebe por mês mais R$ 15 mil, para gastos nos Estados com aluguel, gasolina e alimentação. Precisa apresentar nota fiscal. Se não usar toda a verba num mês, acumula para o mês seguinte. Mas tem de gastar tudo num semestre. É fácil. Cada senador ainda tem direito a R$ 3.800 de auxílio-moradia, se não morar em apartamento funcional. A verba de passagens aéreas varia. O valor mínimo é de R$ 4.300, para os eleitos no Distrito Federal. E o máximo é de R$ 16 mil, para os do Acre. Todo senador tem direito a 25 litros de combustível por dia.

O brasileiro comum – aquele que elege os senadores – acha tudo isso muita mordomia. Os senadores não acham. Tanto que estavam prestes a criar quase cem novos cargos, sem a menor consideração pelos cofres públicos. O argumento era rudimentar: os deputados aumentaram em abril sua verba de gabinete para contratar funcionários, de R$ 50 mil para R$ 60 mil. Ninguém prestou atenção, ninguém protestou. Se eles podem, também podemos. Vamos contratar, vamos ver se cola, e sem concurso. Com os deputados, é a mesma lengalenga: salários, recessos, assessores, auxílio-isso, auxílio-aquilo.

Para quem está em Brasília, a semana costuma ser de quatro dias de trabalho. Sexta-feira, esquece. Ah, e os recessos são dois por ano. Do fim de dezembro ao início de fevereiro e, agora, de 18 a 31 de julho. O recesso segue a lógica e o calendário das férias escolares de verão e inverno. E olha que ficou mais dura a vida dos políticos. Até 2006, o recesso era de 90 dias por ano. Agora, são 55 dias. Durante dois meses por ano, portanto, o povo pode ficar sossegado porque senadores e deputados não discutem nem aprovam nenhuma verba extra em benefício próprio. Só gastam.

O Senado já prometeu concurso público para abrir 150 vagas de técnico legislativo. Em setembro. A novela de julho terminou às pressas porque a Casa já estava vazia, sem ibope às vésperas das férias. Nossos políticos precisavam descansar. Ninguém é de ferro.

0 comentários to “Eles deram meia volta”

Postar um comentário

 

Blog Da Kika Copyright © 2011 -- Template created by Kika Martins -- Powered by Blogger