Os tiros que atingiram o pescoço e o peito de Benazir Bhutto, 54 anos, em Rawalpindi, a 12 quilômetros de Isalamabad, capital paquistanesa, enterraram o sonho, distante, mas possível de ser construído, do retorno da democracia ao Paquistão. Foi atingida ao se preparar para deixar um comício por um agressor que, não satisfeito, detonou uma bomba, matou-se e a pelo menos outros 20 compatriotas, além de deixar mais de 40 feridos.
O atentado torna mais sombrio o futuro do Paquistão. Benazir voltara em outubro, depois de anos de exílio, e era uma das favoritas nas eleições parlamentares de 8 de janeiro. Os Estados Unidos costuravam um acordo entre ela e seu adversário, o general que desistiu da farda Pervez Musharraf, reeleito presidente num pleito em que destituiu a Suprema Corte para evitar a contestação de sua vitória. O assassinato ceifou a negociação que transformaria a líder do Partido do Povo Paquistanês, novamente, em premier.
Levada à política depois da execução do pai, Zulfikar Ali Bhutto, em 1979, fundador do PPP, Benazir herdou a agremiação de cunho socialista e uma dinastia. Dois irmãos também tiveram morte violenta em decorrência da disputa por poder no Paquistão. Logo após seu retorno, escapou de outro atentado, em 18 de outubro, quando dois homens-bomba mataram 139 participantes de uma passeata que celebrava sua reaparição após seis anos de exílio. Nessa ocasião, escapou ilesa - estava num caminhão blindado à frente do cortejo.
Tanto um quanto outro foram articulados por integrantes dos serviços secretos paquistaneses em combinação com extremistas islâmicos ligados à rede terrorista Al Qaeda e os talibãs desalojados do poder no vizinho Afeganistão, suspeitam estudiosos das relações políticas na região. Tanto um grupo quanto outro contam com a simpatia e a proteção oficiosa de Musharraf, o maior beneficiário da morte de Benazir - que vende para o exterior a imagem de opositor dos dois grupos adeptos da violência.
A morte de Benazir vai adiar, ao que tudo indica, as eleições de janeiro para meados do ano. Os eventuais herdeiros do domínio político dela no PPP nem de longe ostentam seu carisma. Um é o marido, Asif Ali Zardai. Outro, o ex-premier Nawaz Sharif que, horas antes do atentado contra ela, escapou ileso de um tiroteio durante comício em outra cidade paquistanesa. Sem a líder, o partido tende a se dividir, o que rende dividendos apenas para o presidente Musharraf.
Sem a sombra de Benazir, o ditador terá dificuldades para controlar a insatisfação popular. Saques, violência, incêndios espalharam-se pelas cidades paquistanesas logo após a notícia da morte da ex-primeira-ministra. O ex-chefe do Exército incentiva a atuação, acima da lei e dos direitos civis, dos oficiais ligados ao serviço secreto de inteligência, que agem acima e além do poder do Estado. No cenário externo, os Estados Unidos incentivam alternativas internas - como Benazir - para se libertarem do jugo de Musharraf. Vão continuar a sustentá-lo? Até quando? O comandante do Paquistão dá sinais de que pretende repetir a decretação do estado de exceção que, há pouco tempo, implantou a lei marcial no país, fechou o Congresso e interveio na composição da Suprema Corte.
O assassinato de Benazir liquidou as frágeis saídas democráticas que o Paquistão vislumbrava. O futuro próximo faz temer pelo recrudescimento da violência entre partidários e opositores do governo ditatorial. A guerra civil, o pior dos pesadelos, já não é descartada e só atende aos interesses dos extremistas islâmicos e radicais seguidores de Osama bin Laden, a quem Benazir prometia combater se eleita.
A morte dela deverá amplificar a pressão mundial, especialmente a americana, sobre o presidente Musharraf. Não à toa, as notas oficiais e declarações de líderes de variadas nações, divulgadas ontem logo após o assassinato, adotam pesados adjetivos para qualificar o atentado, cobram punições do governo do Paquistão e alertam para a necessidade de conter um eventual recrudescimento do terror no país e nas fronteiras. Um perigo real. O Paquistão é dono de armas nucleares.