A montadora chinesa Chery quer produzir carros populares no Brasil e já começou a negociar as condições de produção com o governo de Pernambuco, Estado onde pretende instalar a fábrica. A provável vinda da montadora para o território brasileiro faz parte de uma onda de investimentos em preparação para os chineses no Brasil e coincide com a decisão do governo brasileiro de voltar a discutir com o país oportunidades de investimento e comércio. "Já começamos a discutir uma agenda positiva com a China para o próximo ano", informou ao Valor o secretário de Comércio Exterior, Welber Barral.
"A fábrica da Cherry nos pediu ajuda para investir no Brasil, e, quando contatamos o governador Eduardo Campos, nunca vi governador tão ágil", elogia o presidente da Câmara de Comércio Brasil-China, Charles Tang. Campos já editou as normas de concessão de incentivos fiscais para a futura fábrica.
No início do ano, uma delegação chinesa vem discutir no país as condições de investimento. Os chineses se queixam de dificuldades com a burocracia brasileira, que atribuem a pressões da montadoras já instaladas no país. A Chery montou, no Uruguai, uma fábrica em parceria com o grupo Macri, onde começou neste ano a produzir, em fase de testes, o utilitário Tiggo.
A China, em 2007, foi o principal alvo de medidas de defesa comercial do Brasil. Das 29 sobretaxas aplicadas em produtos importados, acusados de dumping (venda abaixo do preço normal de mercado), nove atingem produtos chineses. Das 18 investigações em curso para possível imposição de barreiras comerciais, oito são contra a China. Os produtos afetados, como peças de bicicleta, armações para óculos e alto-falantes, representam, porém, uma parte ínfima do comércio entre os dois países e as barreiras não afetam o ótimo relacionamento entre os dois países, garante o porta-voz da embaixada chinesa no Brasil, Pan Ming Tao.
No primeiro semestre de 2007, segundo as estatísticas disponíveis na embaixada, foram pequenos os investimentos chineses, pouco menos de US$ 100 milhões, principalmente em mineração, madeira, motocicletas e eletrodomésticos. No rumo inverso, segundo informa Tang, 421 empresas brasileiras registraram investimentos de US$ 211 milhões na China: da Embraer e da Embraco (fabricante de compressores) a investimentos nos setores de carvão, imobiliário, autopeças, hidrelétrico e têxtil.
"A China necessita cada vez mais de produtos estratégicos. O comércio e investimento com o Brasil vão de vento em popa e vão aumentar", prevê Charles Tang, da Câmara de Comércio Brasil-China. Ele reconhece que a chegada de investimentos chineses não ocorreu "na velocidade esperada" e atribui a lentidão às dificuldades encontradas pelos investidores e ao aparente desinteresse de eventuais parceiros e governos no Brasil.
A Bao Steel, gigante siderúrgica chinesa, discute há quatro anos a instalação do que classifica como o maior investimento da China no exterior, uma siderúrgica para produção anual de 5 milhões de toneladas em placas de aço, planejada inicialmente para o Maranhão. Dificuldades com a legislação ambiental e o zoneamento industrial levaram a empresa a buscar alternativas, que encontrou no Espírito Santo, segundo Tang. Nesse período, o investimento estimado passou de US$ 1,5 bilhão para US$ 3 bilhões, em grande parte pela desvalorização do dólar.
O presidente da Bao Steel chegou a levantar dúvidas sobre a concretização do investimento, ao informar, em novembro, que dificuldades em licenciamentos ambientais, impostos e aquisição de terrenos fizeram com que a empresa ainda estivesse fazendo estudos de viabilidade. Tang garante, porém, que as obras da usina devem se iniciar ainda no próximo ano.
Outras empresas chinesas devem anunciar detalhes de seus planos de investimento em 2008. Um dos quatro grandes grupos chineses de etanol, que assinou uma carta de intenções para produção de álcool combustível com o Grupo Farias, de Pernambuco, deve investir US$ 200 milhões na construção de duas usinas, e mais US$ 170 milhões em instalações destinadas a produtos de biotecnologia que usam o açúcar como matéria-prima, segundo revela Tang. Uma grande produtora de vidro plano quer investir US$ 75 milhões, mas quer um parceiro nacional para o investimento, o que é uma dificuldade, já que o setor é um monopólio no Brasil.
"O governo chinês adotou uma política muito nítida de incentivo aos investimentos das empresa chinesas no exterior, para reduzir exportações e aumentar importações", informa o porta-voz da embaixada, Pan Ming Tao. O governo brasileiro pretende retomar os contatos com os chineses para discutir formas de remover obstáculos aos investimentos, incentivar joint ventures na China e promover iniciativas no campo comercial.
"Esperamos receber algumas delegações do governo chinês no ano que vem para tratar de temas específicos, tanto na parte de inspeção sanitária quanto defesa comercial", adianta o secretário de Comércio Exterior. Welber Barral, que também inclui na "agenda positiva" sino-brasileira a promoção de rodadas de negócios e participação em feiras tanto na China quanto no Brasil.
Na semana passada, a Agência de Promoção de Exportações (Apex), ligada ao Ministério do Desenvolvimento, deu partida em uma dessas iniciativas ao reunir representantes de 61 associações setoriais com quem atua no país, para coordenar uma estratégia de reação ao aumento de importações de produtos chineses.
A Apex que formar, com o setor privado, uma estratégia para levar empresas e produtos brasileiros ao mercado chinês, informou o presidente da Apex, Alessandro Teixeira, que se diz insatisfeito com o desempenho, no crescente mercado chinês, das exportações brasileiras apoiadas pela agência. A China não está nem entre os 25 maiores mercados de exportação desses produtores, lamenta Teixeira.