30 de setembro de 2009

A Toffoli o que é de Toffoli

No nosso sistema de justiça, por influência do direito norte-americano, os ministros do Supremo Tribunal Federal são escolhidos, pelo presidente da República, dentre cidadãos com mais de 35 e menos de 65 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada (CF, art. 101, caput); os quais são por ele nomeados depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal (parágrafo único).

Embora bem delimitados os requisitos constitucionais, a indicação do advogado-geral da União, Jose Carlos Dias Toffoli, à cadeira de ministro do STF, vem sofrendo alta resistência e sendo duramente criticada pela imprensa e pela opinião pública, sob o argumento de que o escolhido do presidente da República para a vaga (a) não possui notável saber jurídico, haja vista não ostentar a condição de jurista, pela inexistência, em seu currículo, de obras jurídicas publicadas, bem como por não ter passado, por duas vezes, em concurso para juiz; (b) não possui a reputação ilibada, porque responde a dois processos no Amapá, em virtude de ter sido contratado para prestar serviços advocatícios, sem observância de processo licitatório; e, finalmente, (c) porque é jovem, e, portanto, inexperiente para a vaga.

Parece-me, entretanto, que, além de preconceituosos e discriminatórios, se bem se verificar – de forma profunda, e não epidérmica – os acalentados argumentos, que visam, em última análise, a desacreditar o Judiciário perante os seus jurisdicionados, são também bastante atécnicos (para não dizer ilegais) e inopiosos.

Para começo de conversa, é preciso que se diga que “notável saber jurídico” é requisito que não pode ser aquilatado, tão somente, pela existência de publicação de obras jurídicas. Bacharéis em direito há, às centenas, que, recém saídos das universidades, publicam suas monografias do curso de graduação, e nem por isso podem ser considerados juristas de escol ou possuidores de notável saber jurídico. Ninguém que publica um livro jurídico, da noite para o dia, pode ser considerado, per se, jurista ou possuidor de notável saber jurídico. É o conteúdo do livro e sua aceitação pela comunidade jurídica que importam, não a mera publicação. De igual modo, não é porque um operador do direito não possui livros publicados que ele não possui “notável saber jurídico”, fruto que é, este requisito, de muito estudo e nada mais. Juízes há, igualmente às centenas, que tentaram o concurso público por 6, 10, 14 vezes, até conseguirem ingressar na magistratura, e nem por isso se lhes deixa de reconhecer o notável conhecimento, a perseverança e o trabalho.

Não há como se furtar de reconhecer que o advogado-geral da União, pela função que desempenha, oficiando em causas de alta relevância nacional, perante, especialmente, os tribunais superiores, possui “notável saber jurídico”, até mesmo porque este requisito teve que ser anteriormente aquilatado por ocasião da sua investidura neste cargo, como prevê a Lei Maior, na sua letra e na sua única exegese possível (art. 131, parágrafo 1º). Veja-se o absurdo, verdadeiro o despautério: para galgar o cargo de advogado-geral da União, reconheceu-se que Toffoli possuía “notável saber jurídico”; já para ocupar a cadeira de ministro do STF, o mesmo saber jurídico, agora, lhe falta. Pura balela! Quanto a responder a ações na Justiça, é, óbvio, evidente e inquestionável, que esse fato não é suficiente para macular a reputação de ninguém, vez que dependente da vontade alheia, e não própria. Desde a célebre polêmica travada entre Bernard Windscheid e Theodor Muther, na Alemanha, em meados do Século 19, que a ação judicial é considerada um direito autônomo e abstrato, vale dizer que, qualquer um, caro leitor, pode propor uma ação contra nós, ainda que não tenha razão ou qualquer direito a ser assistido. No caso específico de Toffoli, o próprio STF já decidiu, por mais de uma vez, que a contratação de advogado para defesa de interesses do Estado perante os tribunais superiores dispensa licitação, uma vez que se trata de trabalho especializado, e que, por isso mesmo, deve ser escolhido de conformidade com o grau de confiança que ela própria, administração, deposite na especialização do contratado (por todos: RHC 72830, ministro Carlos Velloso, DJ de 16/2/1996, pág. 2.999).

Por último, cabe deixar registrado que não reconhecer a competência de alguém por ser jovem é um despropósito a toda prova. Nem o nazismo, que por vezes tentou instituir o crime por parentesco, ousou aferir conhecimento por idade. A falibilidade humana não é privilégio dos jovens, e se o medo é que o jovem ministro erre ou erre mais, há que se considerar que o próprio sistema judicial cuidou de remediar esse fato, já que ele, no STF, não julgará sozinho, seja na Turma ou no Plenário, onde suas decisões monocráticas e votos estarão sujeitos, sempre e sempre, à revisão e reforma.

A verdade é que numerosos são os exemplos de jovens que fizeram a história da civilização, com sua força de vontade e carisma pessoais: Alexandre, o grande, rei da Macedônia, morreu aos 33 anos, mas venceu as tropas persas de Dario III, libertou as cidades gregas da Ásia Menor, conquistou o litoral sírio e o Egito, apoderou-se da Babilônia e fundou o helenismo; Napoleão Bonaparte, com apenas 35, coroou-se imperador da França, além de legar à humanidade o Código Civil Francês; Pelé ganhou sua primeira Copa do Mundo aos 17; e Jesus Cristo, apesar de crucificado aos 33, ainda hoje é lembrado e seguido, mais de 2 mil anos após o seu nascimento, pela força de seus imorredouros exemplos de amor, fé e sabedoria.

Em se tratando de magistrados, é exatamente aos jovens, com sua força, ideologia e esperanças, a quem incumbe inovar, renovar e revolucionar o sistema jurídico pátrio. Antes adentrem ao campo de batalha com seu espírito vivaz do que com o ânimo cansado e combalido por velhas guerras. Se ser jovem é um defeito, criticar alguém por um defeito que só o tempo pode curar é extremada covardia. Como perguntava o sempre arguto crítico literário Agripino Grieco: “Se nós, velhos, ainda nada fazemos de perfeito, por que exigi-lo dos jovens?”.

Que venham os ministros jovens. O Brasil precisa deles. E quem nunca foi jovem que atire a primeira pedra.

* Fernando Orotavo Neto é advogado e professor universitário.

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