6 de julho de 2009

Controle do TCU sobre o Senado mostrou-se falho, diz especialista


O controle externo do Judiciário, constitucionalmente previsto para ser exercido pelo Tribunal de Contas da União (TCU), mostrou-se uma das maiores falhas no funcionamento das instituições revelado pela crise no Senado.

"Quem estava encarregado de fiscalizar esses atos do Senado? É como em um acidente aéreo: você pega a caixa preta e vê o que aconteceu para que não aconteça outra vez", afirma o cientista político da Universidade Federal do Rio do Janeiro (UFRJ) Charles Pessanha.

Um dos problemas relacionados ao TCU é o mecanismo de escolha de seus representantes. Dos nove ministros, três são indicados pelo Senado, três pela Câmara, um pela Presidência e apenas dois são funcionários de carreira. "O erro do TCU foi a indicação política", diz.

Desde 1988, a Câmara e o Senado só fizeram indicações políticas, com exceção de um funcionário da Mesa diretora do Senado. "Isso torna nosso processo de controle redundante, o TCU tornou-se efetivamente politizado", diz o cientista político.

Ele ressalta que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), de 2000, prevê a prestação de contas dos presidentes da Câmara, do Senado e da República. Até hoje, as duas casas legislativas nunca foram fiscalizadas pelo tribunal.

Em entrevista ao Valor, Pessanha, estudioso dos mecanismos de controle do Legislativo no país, classifica de "banalização do absurdo" os atos secretos do Senado, estopim da crise que tem como centro o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP).

"O movimento por controle dos gastos públicos, da atividade política vem caracterizando as democracias ocidentais nos últimos 30 anos. Há no mundo contemporâneo ocidental uma reivindicação de transparência muito forte e nós estamos em uma época de liberdade de imprensa e de liberdade democrática", diz Pessanha.

Além da demanda pela modernização institucional inadiável do Senado, o cientista político da UFRJ diz que a competição política do terceiro ano do mandato presidencial aumentou a pressão no Senado.

"Ano que vem vamos ter eleições gerais e esse caso do Senado foi particularmente grave porque não publicar os atos é algo inusitado. O Diário Oficial é uma ferramenta institucional da publicidade que não é da Constituição Brasileira de hoje, é da Revolução Francesa. Tem que dar publicidade aos atos públicos em um jornal oficial. Realmente, esses atos que têm 14 anos, em um certo sentido, extrapolaram o abuso de poder por parte das autoridades", diz.

Segundo Pessanha, o Brasil conta com boas instituições de controle originadas na Constituição de 1988. Cita o Ministério Público, o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público, mas defende uma reforma no sistema de indicações do TCU para evitar sua politização. "O risco que essas instituições correm é justamente serem capturadas por comportamentos e vícios antigos", afirma.

Das nove vagas do TCU, ele sugere que seis deveriam ser para profissionais de carreira concursados. As outras três deveriam ser indicadas pelo Senado, Câmara e Presidência. Ainda assim, essas indicações poderiam ser para pessoas da sociedade, não um deputado ou senador.

Pessanha lembra que a Constituição de 1988 tornou o Senado ainda mais forte que a Câmara, ao dar a atribuição de dividir com o Poder Executivo a nomeação de diversos cargos do próprio Executivo, como as diretorias das agências reguladoras, do Banco Central, os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) e embaixadores.

A crise reflete, de certa forma, as tensões vindas desde a eleição de Sarney para a presidência da casa, que disputou o cargo com Tião Viana (PT-AC), este apoiado pelo PSDB. A crise também já mostra a disputa para as eleições do ano que vem, quando haverá a renovação de dois terços das vagas e a maioria dos senadores vai tentar a reeleição.

O amplo apoio do governo à permanência de Sarney deve ser visto como algo pragmático, mesmo com os eventuais danos à campanha da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, para a Presidência da República no ano que vem, diz Pessanha.

"O governo está defendendo Sarney, mas está se defendendo também para garantir a governabilidade. É impossível governar sem o Congresso, principalmente porque esse ano eleitoral termina em maio", diz.

Em eventual licença de Sarney da presidência do Senado, assumiria o senador do PSDB Marconi Perillo (GO), de oposição ao governo. Em caso de renúncia, novas eleições seriam realizadas, o que seria mais um salto no escuro em um semestre em que o governo pretende aprovar várias matérias antes do período de campanha eleitoral, como a regulamentação do pré-sal.

Mesmo com maioria fácil na Câmara, o governo precisa ter maioria no Senado, ainda que fragilizada, lembra o cientista político. "É fundamental ter maioria nas duas casas. Num sistema bicameral, não adianta ter só maioria na Câmara. Se a oposição tivesse maioria hoje, poderia ter destituído o Senado", avalia Pessanha.

Em relação aos senadores, ele antevê problemas na campanha por conta da crise na Casa. Os partidos que não têm nada a perder, como o Psol, devem atirar para todos os lados, inclusive para a oposição. "Tem um custo, um senador que vai renovar o seu mandato vai ouvir sobre a crise na campanha", diz.

Sobre os desdobramentos dessa crise, Pessanha avalia que a onda de denúncias entre os senadores, que vazam informações contra colegas de outros partidos, pode ter diminuído com a interferência mais forte do governo na semana passada.

"A questão é saber quem vai resolver essa crise, quais são os grupos dentro do Senado ou da Câmara que vão chamar para si a resolução dessa crise. O grande ganho para a democracia seria que saíssemos melhores dessa crise, com controles mais definidos. A sociedade precisa saber quanto paga ao Congresso Nacional."

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