Gerentes de contas do UBS na Suíça operaram com doleiros no Brasil para garantir a transferência de recursos entre as contas secretas em Genebra e o País e, apesar das operações, ainda estão atuando na Suíça.
Interceptações de conversas telefônicas feitas pela Polícia Federal mostram uma gerente de contas numa conversa com um doleiro no Brasil, pedindo seus serviços para um cliente do UBS. A constatação aponta ainda para suspeitas de que a gerente em questão - Ana Paula Costa - tinha o papel de "mula financeira", viajando frequentemente entre seu escritório na Suíça e o Brasil para abrir contas não declaradas ao Fisco.
Em 2007, operações lançadas pela Polícia Federal identificaram suspeitas de que banqueiros suíços colaboravam com a evasão fiscal e lavagem de dinheiro. O UBS, na época, negou que tivesse alguma relação com doleiros e disse que os casos eram iniciativas pessoais dos envolvidos. As operações ainda envolveram outros bancos.
''NÃO SEI DE NADA''
Agora, um ano e meio depois, o Estado apurou que uma das gerentes de contas identificadas nas conversas telefônicas da Polícia Federal continua atuando. Ana Paula Costa, portuguesa, atendeu a uma ligação da reportagem feita ontem ao UBS. Ao saber do que se tratava, pediu para esperar. Cinco minutos depois, voltou a atender o telefone, apenas para dizer que ela não tinha nenhuma relação com os fatos.
"Eu não sei de nada disso. Eu trato com clientes de outros países", disse. Serge Steiner, um porta-voz do banco, chegou a dizer que nunca tinha ouvido falar nas operações feitas pela Polícia Federal contra o banco no País. Mais tarde, falou que "lamentava", mas não poderia dar respostas às perguntas enviadas em relação ao caso.
O documento obtido pelo Estado é datado de 5 de novembro de 2007, um dia antes da deflagração da Operação Kaspar 2. No dia da ligação entre Ana Paula e o doleiro, ela estava no Rio de Janeiro. O nome do doleiro, porém, não foi citado no documento.
"Ana Paula Costa, gerente do UBS (Genebra), entra em contato do Rio de Janeiro com o doleiro, solicitando que atenda um cliente gerenciado por ela, apenas identificado por Roberto. Tal solicitação era para que o doleiro providenciasse uma transação de dólar cabo para reentrada no sistema financeiro brasileiro, porém, em moeda americana", afirma o resumo da conversa, feito pela Polícia Federal.
"Na sequência, o doleiro recebe uma ligação de Roberto e indica o doleiro estabelecido no Rio de Janeiro para efetuar a liquidação ao solicitante Roberto, no valor de US$ 100 mil, que sofreu o desconto de US$ 2 mil a título de spread", afirma.
"Cabe ressaltar que ciente dessa transação, e por ser no dia anterior ao desencadeamento da operação, optamos por representar pelo mandado de busca e apreensão para o endereço apurado", afirma o documento. A ligação não durou sequer dois minutos.
A operação foi lançada, mas a portuguesa acabou não sendo alvo de prisão, nem outro banqueiro do UBS, Martin Liechti, que estava em São Paulo. Ana Paula permaneceu por mais dois dias no País e voltou para a Suíça. Já Liechti foi para os Estados Unidos.
Algumas semanas depois, em Zurique, Liechti reuniu os gerentes de contas e mostrou uma foto dos banqueiros que foram presos no Brasil, com um alerta: "Olha o que ocorre quando se faz algo errado". Em maio de 2008, ele acabou sendo detido nos Estados Unidos.
A Justiça americana investigava a atuação do UBS no país, processo que levaria ao reconhecimento pelo próprio banco de suas ações ilegais no mercado americano, com mais de 50 mil clientes.
Em outro documento, também obtido pelo Estado, a conversa entre o doleiro e Ana Paula volta a ser mencionada. Dessa vez, o documento é assinado pelo juiz federal Fausto Martin de Sanctis e se trata de uma denúncia contra a portuguesa, datada de 5 de novembro de 2007.
Ao chegar a Genebra, Ana Paula foi transferida para o departamento que se ocupa de fortunas em Portugal. Seu marido, Daniel Schaller, que em 2007 se ocupava de clientes chilenos, argentinos e outros latino-americanos, foi colocado em seu lugar. Em Zurique, os clientes brasileiros com contas com menos de US$ 400 mil são atendidos por Angela Vieira.
O que a Justiça investiga é como atuavam essas "mulas financeiras" que desembarcam no País para administrar contas de brasileiros em Genebra ou Zurique. Além dos contatos com doleiros, o que mais chama a atenção é o fato de administrarem a abertura e transferência de contas de valores não declarados ao Fisco.
A Justiça e a Polícia Federal sabem das viagens constantes das mulas financeiras, tais como Schaller, e já monitorou as atividades de Angela.
PROBLEMAS
Nos últimos meses, o UBS vem sofrendo uma onda de problemas. O banco foi o mais atingido de toda a Europa por causa da crise financeira internacional e já perdeu US$ 18 bilhões. Nos Estados Unidos, investigações ainda apontaram o banco como autor de crimes de evasão fiscal.
Há apenas duas semanas, durante viagem à Turquia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu "o fim dos paraísos fiscais".