O projeto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não é o terceiro mandato, mas reconquistar o poder em 2014 "nos braços do povo", como costumam dizer os petistas. Mesmo tendo desistido de emprestar apoio ao fim da reeleição e à ampliação do mandato para cinco anos, Lula sabe que, se conseguir deixar a herança no Palácio do Planalto para a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), em 2010, não haverá nenhum empecilho para sua nova candidatura lá na frente. Motivo: é ele que dá e sempre deu as cartas no PT.
Lula está convencido de que pode emplacar Dilma e vai insistir nesse plano. Só mudará de ideia se for obrigado pelas circunstâncias. Para o presidente, o fato de a ministra anunciar o tratamento que faz para combater um câncer no sistema linfático pode até mesmo humanizá-la. A solidariedade já aparece em pesquisa encomendada pelo PT, mostrando o crescimento da mãe do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), hoje na faixa de 20%.
Até agora Lula deixou petistas pregarem o terceiro mandato. Desde que a doença de Dilma veio à tona, porém, começou a trabalhar para esfriar a polêmica. Há cerca de 20 dias, ele reagiu com gesto ríspido quando um ministro lhe contou que aliados se movimentavam para reapresentar a proposta. Depois, mandou dirigentes do PT enquadrarem os teimosos para não prejudicar a candidatura da ministra, alvo de especulações. Foi o que integrantes da bancada do PT fizeram na terça-feira com o deputado Fernando Marroni (RS), o mais novo porta-voz da ideia.
"Não podemos ir para uma aventura nem morder a isca dos tucanos", disse o deputado José Genoino (PT-SP). "Lula sempre foi um político ponderado, conciliador e sabe que o terceiro mandato racha o País: se rachou a Venezuela, a Bolívia e agora divide a Colômbia, por que vamos trazer essa encrenca para cá?"
Apesar da retórica inflamada na temporada pré-eleitoral, nem o comando do PSDB acredita que o presidente esteja mesmo de olho em mais um mandato agora. "Governabilidade passa por perspectiva de poder e toda vez que Lula percebe que essa perspectiva está fragilizada, a tese do terceiro mandato é ressuscitada para manter a base unida, mesmo não sendo esse seu objetivo", afirmou o deputado Jutahy Júnior (PSDB-BA). "É o velho truque do bode na sala."
O governador de São Paulo, José Serra, pré-candidato do PSDB à Presidência, conversou várias vezes com Lula sobre a possibilidade de aprovação de uma emenda pondo fim à reeleição e esticando em um ano a duração dos mandatos. O acordo entre tucanos e petistas parecia estar bem encaminhado quando, em fevereiro, Lula disse a Serra que o governo não mais se empenharia para aprovar a proposta no Congresso . "Não vou mudar a fila do PSDB", brincou ele, na ocasião.
O acerto interessava ao PSDB porque daria a chance para que o tucanato promovesse um acordo de cavalheiros entre Serra e o governador de Minas, Aécio Neves, outro postulante à vaga de Lula. As negociações patrocinadas pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso previam que Aécio cedesse o lugar para Serra em 2010, em troca do apoio do paulista em 2014.
Lula concluiu, porém, que não precisa mexer nesse vespeiro agora. Após deixar o poder, ele pretende se dedicar a projetos para combater a fome no mundo. Começará a tarefa reforçando o Instituto da Cidadania, uma organização não-governamental ligada ao PT. Depois, com Dilma, Serra ou outro nome na Presidência, o plano é disputar a eleição de 2014. "Quem se acha insubstituível vira um ditadorzinho", disse Lula ao Estado, em agosto de 2007, ao jurar que não aceitaria de jeito nenhum o terceiro mandato