18 de maio de 2009

Fernando Carli Filho: trinta multas não bastaram


O caso do deputado cuja carteira de habilitação estava suspensa e, mesmo assim, se envolveu num acidente com duas mortes

Aos 53 minutos do dia 7 de maio, a vida de três jovens se cruzaram definitivamente. Foi em Curitiba, Paraná. Ao volante de um Honda Fit prata estava Gilmar Yared, de 26 anos, estudante de psicologia e jornalismo, evangélico e com viagem de estudos marcada para a Austrália. A seu lado, o amigo Carlos Murilo de Almeida, de 20 anos. A bordo de um Passat alemão preto estava o deputado estadual Fernando Carli Filho (PSB), de 26 anos, eleito com 46.686 votos e dono de uma carteira de habilitação suspensa por causa de infrações de trânsito que somavam 130 pontos (uma carteira de habilitação é suspensa automaticamente se o motorista acumular 20 pontos no período de um ano). De acordo com a investigação, naquela madrugada Carli Filho provavelmente iria tomar sua 24a multa por excesso de velocidade – em seu prontuário de motorista constam 30 multas. Mas, antes que isso acontecesse, ele encontrou um “obstáculo” em seu caminho: o carro de Gilmar e Murilo.

Imagens gravadas pelas câmeras de um posto de gasolina mostram como o Passat de Carli Filho, após uma decolagem, arrancou o teto do Fit. Gilmar e Murilo morreram na hora. “Encontraram a cabeça do meu filho separada do corpo, a 40 metros do lugar do acidente”, diz Cristiane Yared, mãe de Gilmar. Carli Filho sofreu traumatismo craniano e fraturas no rosto. Até a noite da última quinta-feira, estava internado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Consciente, recebia visitas, mas ainda não tinha sido ouvido pela polícia ou pelo promotor Rodrigo Chemim, responsável pelo caso. ÉPOCA também não conseguiu falar com Carli Filho no hospital.

“Ainda não temos provas periciais, mas sabemos que o deputado estava com excesso de velocidade e provavelmente alcoolizado”, diz Chemim. Carli Filho não foi submetido a exame de sangue para determinar se estava bêbado na hora do acidente, mas um relatório dos agentes que o socorreram diz que ele apresentava “hálito etílico”. Garçons do restaurante em que Carli Filho esteve minutos antes do acidente disseram que o deputado bebeu, sozinho, quatro garrafas de vinho.

Carli Filho é herdeiro de uma tradicional família de políticos no Paraná. O pai, Fernando Ribas Carli, foi deputado estadual e federal, além de ter sido chefe da Casa Civil de Jaime Lerner, governador do Paraná entre 1995 e 2002. Atualmente, Carli pai é prefeito de Guarapuava, no interior do Paraná. Um tio de Carli Filho, Plauto Miró, também é deputado estadual. Conhecido em Curitiba como playboy, com histórico de bebedeiras e confusões, Carli Filho criou, em 2007, um projeto de lei para dar descontos no Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores para motoristas que ficam um ano sem infrações de trânsito.

Em geral, os infratores são indiciados apenas por imperícia.

As penas viram serviços à comunidade

Por ser parlamentar, Carli Filho tem direito a foro privilegiado. Em vez de ser julgado por um juiz de primeira instância, será julgado por um desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná. Por conta dessa regalia, Carli Filho não precisará ir a júri popular, caso a Justiça considere que ele teve a intenção de matar. A pena para homicidas varia de seis a 20 anos de prisão.

De acordo com os estudiosos, o histórico mostra que punições por homicídio doloso no trânsito são incomuns no Brasil. “Normalmente os infratores acabam indiciados apenas por imperícia. Nesses casos, as penas variam de dois a quatro anos de prisão e podem ser revertidas em serviços à comunidade”, diz Cyro Vidal, da Comissão de Assuntos e Estudos de Direito de Trânsito da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo.

Para Vidal, coautor do Código de Trânsito Brasileiro, o problema não está na legislação, mas em sua aplicação. “Lei para prender tem, mas é preciso que os responsáveis pela Justiça tenham coragem para aplicá-la. Cestas básicas não pagam uma vida”, afirma.

O desfecho judicial do caso Carli Filho poderá demorar dois anos. Para concluir o inquérito do acidente, ainda falta reunir provas e ouvir testemunhas. Na política, a condenação ou absolvição provavelmente virá antes. A pedido da família de Gilmar Yared, Carli Filho terá de responder a um pedido de cassação por quebra de decoro parlamentar.

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