14 de julho de 2008

Retorno dos demitidos por Collor está próximo


Governo pretende finalizar análise de todos os processos de anistia até janeiro de 2009. Mais de 14 mil servidores pediram para voltar

O governo federal resolveu acertar as contas com o passado e está decidido a quitar uma dívida histórica com o funcionalismo. Até o fim deste ano, todos os demitidos durante o governo Collor terão a chance de voltar ao trabalho. A Comissão Especial Interministerial (CEI), responsável pela análise dos pedidos de anistia, passou por modificações estruturais, ganhou novos integrantes e melhorou sua produtividade.

Até hoje, 14 mil servidores bateram à porta da comissão. Na CEI, de janeiro a junho deste ano, 3.175 pedidos foram analisados. Restam 11,4 mil. O número total de desligamentos feitos no início da década de 1990, no entanto, é desconhecido. Associações de ex-servidores e sindicatos acreditam que entre 25 mil e 40 mil pessoas deixaram a administração pública naquele período.

O trabalho é minucioso. Em salas cedidas dentro do edifício-sede do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT), um grupo de técnicos, estagiários e advogados se debruça sobre fragmentos da vida profissional de milhares de brasileiros que tiveram de entregar o crachá e esvaziar as gavetas. Com o aval da comissão, e dependendo da necessidade e do orçamento, os órgãos podem convocar os servidores a qualquer momento.

Jaqueline Guimarães se emociona ao lembrar do dia em que foi mandada embora. Funcionária do protocolo do Ministério da Ciência e Tecnologia, sua demissão ocorreu em abril de 1990. Sem muita explicação, ela e dezenas de outros colegas tiveram o mesmo destino. “Nem sabia que o governo achava que eu era marajá. Foi tudo muito estranho, ninguém sabe direito porque aquilo aconteceu”, resume.

Passaram-se 17 anos até que em janeiro do ano passado Jaqueline foi finalmente reintegrada. No primeiro dia de retorno ao trabalho no ministério, antigos chefes e amigos da época vieram cumprimentá-la na porta. “Senti dificuldade de readaptação, claro, as coisas mudaram, mas com muito jeito acabei me acertando e conquistando as pessoas”, completa. A servidora afirma que, apesar de ter recorrido à CEI, onde o processo ainda está em curso, sua volta aconteceu graças a um mandado de segurança julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Há relatos de anistiados que, assim como Jaqueline, optaram pelo Judiciário.

Pressa
As demandas nos tribunais, porém, tendem a diminuir. A ordem de acelerar o retorno do pessoal demitido na era Collor é do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que pretende encerrar seu governo com um esqueleto a menos no armário. Lula orientou a Advocacia-Geral da União (AGU) a participar diretamente do processo de avaliação legal dos pedidos dos ex-servidores que desejam voltar ao batente.

Na semana passada, a União emitiu mais um sinal de que os ventos estão a favor de quem espera recuperar o direito de trabalhar. A Secretaria de Recursos Humanos (SRH), ligada ao Ministério do Planejamento, publicou no Diário Oficial uma orientação normativa reafirmando os padrões adotados para a readmissão dos anistiados. As regras baseiam-se em preceitos já consolidados em um parecer da AGU e na Lei 8.878 de 11 de maio de 1994. A prioridade, de acordo com a orientação, é assegurar o retorno de desempregados, substituir a mão-de-obra terceirizada e recompor os órgãos responsáveis pelas ações do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Neleide Abila, representante da AGU na Comissão Especial Interministerial (CEI), explica que há pressa em providenciar o retorno das pessoas que têm direito a reassumir seus postos. “O Estado está em mora. É claro que há dificuldades, mas estamos providenciando as análises o mais rápido possível”, reforça. De acordo com a Portaria n.º 4/2008, a conclusão dos trabalhos da CEI deverá ocorrer em 8 de janeiro de 2009.

A expectativa é que não haja prorrogação desse prazo. O ritmo das atividades está adequado e, segundo Neleide, o cronograma para os próximos meses será cumprido sem problemas. E as respostas às demandas serão dadas, afirma a representante da AGU. “Todas as pessoas, mesmo as que não têm seus pedidos atendidos, merecem alguma resposta. E é isso que estamos buscando na comissão. O nosso trabalho é técnico, agimos como juízes, mas não podemos esquecer que estamos lidando com pessoas que têm uma história de sofrimento e desilusões”, completa.


Antigo impasse da readmissão
Entre erros e acertos, o governo Lula retomou o debate sobre a recontratação dos anistiados em 2005. Ainda sem saber direito que rumo tomar, o Ministério do Planejamento tentou na época organizar o retorno por áreas. Não funcionou. Como os dados sempre foram muito frágeis, as políticas acabavam esbarrando em obstáculos demais para seguir adiante.

Em meio a greves do funcionalismo e crises políticas envolvendo partidos da base de apoio ao governo, o assunto esfriou. Organizados em associações, os anistiados começaram a provocar a Câmara, o Senado e o Judiciário. Aos poucos, o tema foi voltando à agenda nacional. Em 2006, grupos de anistiados conseguiram reassumir seus postos à custa de pressão ou decisões judiciais.

O divisor de águas, no entanto, ocorreu em 2007. Um parecer da AGU acabou com todas as dúvidas e restabeleceu a segurança jurídica necessária para que os gestores de recursos humanos da administração federal parassem de se esconder atrás da burocracia e dessem sinal verde para a volta da força de trabalho jogada fora nos anos 1990.

Ministérios e órgãos da União, que antes faziam vista grossa para as determinações da Comissão Especial Interministerial (CEI), mudaram de postura. Passaram a cumprir as decisões da comissão. Antes, deixavam de enviar dados ao Ministério do Planejamento, retardando a publicação de portarias que beneficiavam antigos funcionários demitidos.

A CEI passou a ter novo status. Mais respeitada, a comissão pôde acelerar a análise dos processos que há anos se acumulavam. Com a chegada de novos servidores, os despachos obedecem a um rigoroso programa de metas. Ainda não é o mundo ideal, mas pelo menos agora os anistiados têm alguma perspectiva. (LP)



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